O telemóvel devia vir com manual de etiqueta
Estamos a passar horas de mais ao telemóvel? Estamos. Todos. Não são só as crianças nas escolas, embora elas sejam quem mais precisa de protecção.
Em 2021, causou uma certa perplexidade a notícia de que, em média, os portugueses passavam mais horas por dia ligados à Internet do que a dormir. Dez horas a navegar na Net — incluindo telemóvel e computador, mas também televisão inteligente, por exemplo —, contra sete horas de sono.
Um estudo mais recente do Observatório da Saúde Psicológica e do Bem-Estar, divulgado esta semana, concentra-se nos alunos do 5.º ao 12.º anos e conclui que 52,8% passam quatro ou mais horas por dia em frente a um ecrã e dormem menos de oito horas por noite (durante a semana).
O assunto tomou conta da agenda mediática e das conversas entre pais, políticos, professores e especialistas. Voltaram os apelos para que o Governo tome medidas nas escolas, dentro e fora das aulas, indo além da mera recomendação, como a que fez em Setembro e que levou cerca de 60 estabelecimentos escolares a aplicar regras (ou proibições totais) sobre o uso do telemóvel, de acordo com as estimativas da Federação Nacional de Educação.
O tema é complexo e tem as suas especificidades. O telemóvel dos dias de hoje pode funcionar como complemento ao estudo, substituir uma calculadora, servir para ler notícias, ajudar no desenvolvimento de competências digitais e até facilitar a troca de informação e a comunicação, mas também é uma fonte de distracção e desinformação, de isolamento social e desconexão, de invasão da privacidade, de acesso a pornografia, de bullying, de assédio e de vício. É uma bênção, mas também é uma maldição.
Qualquer política pública a tomar neste domínio, como noutros, tem de ser equilibrada e espelhar, se possível, as conclusões que os primeiros “projectos-piloto” permitirem tirar.
A instituição Escola pode fazer o possível e dar o (bom) exemplo, mas nada de estrutural acontecerá se, em casa, continuarmos a ver as notícias ao mesmo tempo que fazemos scroll no telemóvel; se usarmos o telefone durante todo o momento de uma refeição no restaurante; se recebermos chamadas enquanto estamos a ser atendidos numa repartição pública; se não desligarmos o telemóvel no cinema ou enquanto falamos com os filhos; se não conseguirmos viver sem o testemunho das redes sociais e do telefone.
Estamos a passar horas de mais ao telemóvel? Estamos. Todos. Não são só as crianças nas escolas, embora elas sejam quem mais precisa de protecção.
O uso do telemóvel é uma coisa tão simples e intuitiva que nem precisa de manual de instruções. Mas precisa de um manual de etiqueta.