“Mandem os vossos maridos observar os Borrelhos!”

Observar pássaros é um passatempo fascinante para todos — treina a visão, o ouvido, a paciência, a consciência de que não somos os únicos habitantes deste planeta

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"Espero atrair outros avós, pais e filhos para esta paixão" EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Ana,

Estava ansiosa por te escrever esta carta, depois de mais uma excursão com o mini E. para identificar e saber mais sobre pássaros.

A sério, Ana, às vezes os pais e os avós andam por aí sem saber o que fazer com os netos, acabando invariavelmente num centro comercial, quando observar pássaros é mesmo um passatempo fascinante para todos — treina a visão, o ouvido, a paciência, a consciência de que não somos os únicos habitantes deste planeta, mas também a magia, a surpresa, a sensação de vitória quando, inesperadamente, entre os juncos de um rio ou das folhas de uma árvore num parque da cidade descobrimos qualquer coisa que mexe, que canta, que bate asas, mostrando-nos a habilidade do seu voo.

E a única coisa que exige são uns binóculos e uma aplicação que se descarrega no telemóvel e facilita não só o exercício de identificação como, também, o registo de quantos vimos e em que lugares, que podemos partilhar, ou não, com outros observadores de pássaros.

Bem, como espero atrair outros avós, pais e filhos para esta paixão, deixo aqui o link para as melhores apps de identificação, de onde podem escolher a que mais gostarem, adaptando-a depois ao português (ou aproveitando para treinar o inglês ou, melhor ainda, o latim!).

Mas, querida filha, tenho uma outra recomendação: “Mães de todo o mundo, mandem os vossos maridos observar os Borrelhos” e nem sequer é uma tarefa difícil, porque as três subespécies mais frequente em Portugal, encontram-se ao longo da costa e em estuários, como os do Tejo, do Mondego ou na Ria de Aveiro, entre outros.

Digam-lhes para porem os olhos especificamente nos machos, e estudarem tudo o que há a saber sobre eles, porque vão constatar que... é o pai que incuba, alimenta e cuida dos borrelhozinhos. Até é ele, imagina a maravilha, que os deita, em lugar de ficar à espera que a mãe chegue a casa para o fazer.

Podem propor uma alternativa mais fácil para pais urbanos; os Turdus torquatus, ou Melro-de-Peito-Branco, sim, Ana, parecidos com aqueles pássaros pretos, com o bico amarelo que vês a saltitar nos relvados e que inspiraram a canção (pela música vais lá), mas mais pequenos, com uma penugem branca em forma de crescente no peito e asas esbranquiçadas.

Pois, só contei ao teu filho um bocadinho da biografia destes, porque tem pormenores para maiores de 18 anos, mas não me desviando do essencial, também nesta espécie são os machos a assumirem quase exclusivamente as responsabilidades parentais, sobretudo a partir do momento em que a fêmea começa a construir um novo ninho e a fazer-se à vida. E que vida, porque se as condições climáticas forem boas conseguem ter até cinco, sim, eu disse cinco, ninhadas por ano. Se são todos filhos do mesmo pai? Bem, essa é a parte que tinha guardado para o fim: embora tendencialmente sejam monogâmicos, 17% das crias não são do suposto pai, mas não é por isso que ele deixa de cuidar deles com amor e carinho — há mesmo registo de um Super-Melro-de-Peito-Branco que criou mais de 58 filhos em dez anos.

Acredita, há mesmo muito a aprender!


Querida Mãe,

Obrigada, assim já sei o que dar ao meu marido no Natal: uns binóculos, claro!

Conte com ele na sua próxima excursão.

Beijinhos

Ana


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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