Brasileiro sobrevive a dois tiros, muda-se para Portugal e torna-se o homem do açaí

Com 12 lojas, uma delas em Salamanca, na Espanha, sargento aposentado da Polícia Militar do Rio de Janeiro descobre-se empresário com o Açaí da Tia Lu. Negócio começou na casa dele e cresceu.

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Carlos Bolzan e a mulher, Lúcia, montaram a rede Açaí da Tia Lu. São 12 lojas em Portugal e Espanha. Ele sobreviveu a dois tiros no Brasil Carlos Vasconcelos
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Dois tiros encerraram a carreira de Carlos Bolzan, 48 anos, como sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro, em 2011. Os disparos atingiram a mão direita e a testa dele, que escapou da morte, mas não o incapacitaram para, em Portugal, descobrir sua veia empresarial. Ele desenvolve um promissor negócios de importação e comercialização de açaí e outros produtos brasileiros.

Há cinco anos, Bolzan lançou a marca Açaí da Tia Lu, com 12 lojas em território português e em Salamanca, na Espanha. Juntos, esses pontos comercializam 120 toneladas de açaí por ano. O empresário diz que se redescobriu em outra frente de batalha: o empreendedorismo. Ele conta que se aposentou depois que um laudo médico constatou uma lesão definitiva da mão direita, com perda de 50% das funções.

A mulher, Lúcia Sousa, 59, descendente de portugueses, influenciou na decisão da família de atravessar o Atlântico. Era 2014, e a ideia inicial previa férias e muitos passeios. Tudo para tentar afastar o trauma da rotina policial. “Lúcia é filha de portugueses, mas nasceu no Brasil e só tinha visitado a terra dos pais quando criança. Depois dos tiros que levei, resolvemos conhecer Portugal e dar uma esticadinha pela Europa, até a França, que era um sonho dela, para conhecermos a Disney”, relembra ele.

Ali, os dois se encantaram com a Europa. “Vimos uma paz, uma tranquilidade. Pessoas que deixavam os carros dormindo na rua, não havia assaltos, podíamos andar com o nosso telefone e com o que quiséssemos portar de valor, sem sermos incomodados. Isso nos chamou muito a atenção”, ressalta o empresário.

Toda essa tranquilidade era um contraste para o sargento aposentado. “Eu, vindo da guerra, conhecendo cada mazela do Rio de Janeiro, cheguei para minha mulher e perguntei: vamos morar em Portugal? Ela disse, vamos. Viemos em 2019, ocasião em que a nossa filha Nicolle, hoje com 23 anos, terminou o ensino médio, fez o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e se classificou para a Universidade de Coimbra para fazer relações internacionais”, conta Bolzan.

Virada do negócio

Decisão tomada, o empresário começou a desenvolver sua percepção comercial. Trabalhou com vendas de vários produtos, profissionalizando-se. Nesse período, conheceu um brasileiro que produzia pão de queijo e passou a comercializar o produto. Depois, passou a oferecer açaí à clientela, com a avaliação de que, “onde entra pão de queijo, entra açaí”.

O caminho rumo ao atual negócio teve início com a missão de vender um balde de cinco litros de açaí. E ele comercializou. O fornecedor da polpa da fruta da Amazônia, contudo, desistiu da atividade e deixou com Bolzan 20 toneladas do produto. O jeito foi montar um ponto de venda na própria casa, em Coimbra, para tentar se desfazer daquele estoque. Foi aí que surgiu o Açaí da Tia Lu, nome dado pela filha Nicolle.

“Inicialmente, a Lúcia não gostou muito, achou o nome muito simples. Mas foi exatamente o simples que chamou a atenção”, revela o empresário. O marketing, segundo ele, foi centrado no meio dos estudantes, já que Coimbra é repleta de brasileiros que fazem cursos na cidade, longe das famílias. “De repente, tem uma tia carinhosa que vende açaí. Deu certo. Então, montei um delivery em casa para vender açaí para todo mundo”, complementa.

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Hugo Souza, ex-goleiro do Flamengo e do Chaves, em Portugal, e hoje no Corinthians, é cliente do Açaí da Tia Lu Arquivo pessoal

Bolzan se considera pioneiro na entrega de açaí nas casas dos clientes, o que, segundo ele, não existia em Portugal. “Começamos o delivery de açaí num frio de três graus em novembro, vendendo 40, 50 copos por noite. A Lúcia montando e eu entregando de moto. Era uma maratona”, lembra o sargento aposentado. Diante do sucesso do produto, pessoas de outras cidades portuguesas se deslocavam para Coimbra para tomar açaí.

Ciente de que o negócio tinha futuro, o empreendedor decidiu transformar os clientes mais fidelizados em vendedores, e um rapaz que vivia Leiria foi o primeiro deles. Como o empresário já tinha registrado a marca em Portugal, o novo vendedor tornou-se franqueado da marca, cujo faturamento, logo no início, rendeu 3 mil euros (R$ 18,6 mil) por mês.

Fórmula secreta

A pandemia da Covid-19 foi um empecilho para o negócio deslanchar. A saída foi redobrar o esforço de importar, preparar a polpa da fruta, embalar e, nesse período, também distribuir. “Viajava para Bragança, Vila Real e outras cidades e vendia tudo, cerca de 150 copos só num fim de semana. Além de açaí, tinha pão de queijo”, conta o brasileiro.

Quando a pandemia chegou ao fim, perguntaram a Bolzan onde ficava a loja da Tia Lu. Ele, então, resolveu profissionalizar o negócio, formatar a franquia e montar uma estratégia para a marca. “De repente, surgiram pessoas interessadas em montar uma loja da Tia Lu. A primeira foi em Nazaré, no verão de 2021. Boa parte das pessoas que vendiam em casa migrou para a loja. Isso ocorreu em Aveiro, Vila Real e em Bragança”, detalha.

Atualmente, são 12 lojas: em Nazaré, Aveiro, Leiria, Coimbra, Braga, Valença, Vila Nova de Gaia, Porto, Vila Real, Penafiel, Bragança e Salamanca, na Espanha. A matéria-prima in natura vem toda do Brasil, sendo processada em Portugal, fórmula que “é um segredo” e não pode ser revelada. “Tampouco, a fábrica, por contrato, pode vender o meu açaí para uma outra empresa, pois a multa é pesada. O Açaí da Tia Lú é exclusivo”, declara Bolzan.

O sargento que se tornou um empreendedor vitorioso diz que sua veia para os negócios prevaleceu. “Sempre tentei empreender alguma coisa, mas a Polícia Militar me impedia. Quando aposentei a farda, surgiu a oportunidade, enxerguei o futuro e fiz acontecer com a minha mulher”, comemora.

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