“Um marco para a indústria cimenteira”
Em entrevista, o director de Co-Processamento e Energia da Cimpor, Sandro Conceição, apresenta a estratégia da empresa rumo à descarbonização.
Neutralidade carbónica em 2050. É esta a meta da estratégia de descarbonização da Cimpor. Concretizá-la envolve um plano de investimentos superior a 300 milhões de euros, alocados às diferentes etapas do processo de fabrico de cimento. Redução (das emissões de CO2) é a palavra de ordem, mas indissociável de uma outra: substituição (de matérias-primas e de fontes de energia). E indissociável de inovação. Com um caderno de encargos ambicioso: antecipar, numa década, a neutralidade carbónica e confirmar a empresa como líder na sustentabilidade na indústria cimenteira a nível mundial.
Como é que a Cimpor aborda a descarbonização?
A Cimpor preparou um plano estratégico de investimentos que assenta num roadmap rumo à neutralidade carbónica. Definimos como meta o ano 2050, mas acredito que, graças ao nível de investimentos sem precedentes que estamos a fazer, vamos alcançá-la mais cedo, até 2040. Estamos a falar de mais de 300 milhões de euros investidos nas fábricas, a curto e médio prazo, para reduzir as emissões de CO2, e a médio e longo prazo para avançar para a captura e utilização de CO2, pois actualmente existe um limite técnico com as tecnologias disponíveis, que conseguimos reduzir. Estamos, pois, a trabalhar em paralelo, mas convictos de que a indústria precisa deste nível de investimento. Não há outro caminho.
Quais são os pilares dessa estratégia?
A nossa estratégia abrange toda a cadeia de produção, desde a extracção das matérias-primas até à expedição de cimento. Estamos a fazer investimentos estratégicos em cada uma das áreas, nomeadamente por via da investigação e desenvolvimento de novas tecnologias que permitam produzir um produto final com menor pegada carbónica. A breve prazo, estaremos em condições de colocar no mercado o low carbon cement. Estamos, igualmente, a investir nas melhores tecnologias disponíveis para aumentar a eficiência energética no processo produtivo, reduzindo as emissões e, ao mesmo tempo, gerando capacidade instalada para produção de energia para autoconsumo, com aproveitamento das fontes renováveis disponíveis, seja energia eólica, seja solar, seja ainda o calor residual associado ao processo.
É um plano a concretizar por fases, com objectivos intermédios?
Efectivamente, o nosso plano estratégico está dividido em duas etapas. Na última década, a Cimpor tem estado a trabalhar para reduzir as emissões, investindo nas fábricas e na melhoria dos processos, de modo a, até 2030, alcançar uma diminuição de 37% por tonelada de produto fabricado. Esse é o limite técnico com as tecnologias disponíveis. Com esse objectivo, estamos a aumentar a eficiência energética das fábricas e a substituir combustíveis fósseis por alternativos, bem como a utilizar matérias-primas menos carbónicas. Após esse prazo, o nosso foco é a neutralidade carbónica, beneficiando das tecnologias que surgirão entretanto, nomeadamente as relacionadas com a captura de CO2. Já existem vários projectos em desenvolvimento, e que irão conduzir à produção de clínquer (o produto principal que vai dar origem ao cimento) com menos pegada carbónica. Estamos numa fase piloto, mas contamos, nos próximos anos, transpor para a escala industrial, de modo a concretizar a neutralidade carbónica até 2050. Mas, acredito que, com estes investimentos, vai acontecer antes.
Do ponto de vista da matéria-prima, que alternativas ao calcário estão a ser equacionadas?
Nas licenças de operação, é reconhecida à indústria cimenteira a possibilidade de utilizar diferentes tipos de matérias-primas, nomeadamente resíduos de outras actividades. Estamos a falar, por exemplo, dos resíduos de construção e demolição: uma grande componente dos materiais que daí advêm pode ser utilizada, quer como matéria-prima secundária – é o caso dos resíduos de betão e de tijolo –, quer como fonte de combustível nas reacções de transformação da pedra em clínquer – assim acontece com as madeiras e os têxteis. Neste momento, a incorporação média destes resíduos nas nossas fábricas anda à volta dos 2,5%. Não acredito que consigamos substituir integralmente, mas há margem para crescer. Há países europeus que já atingem os 30%, mas nesses países existem quadros regulatórios com implicações ao nível da recolha, selecção e encaminhamento mais favoráveis, incentivando a economia circular e identificando a Industria Cimenteira como destino final destes resíduos.
E qual é a abordagem em matéria de substituição dos combustíveis e de eficiência energética?
Em termos gerais, cerca de 70% do custo da produção de uma tonelada de cimento provém da energia térmica e eléctrica que usamos no processo. E é nestas duas vertentes que estamos a trabalhar. No que toca a energia térmica, a nossa grande intenção é reduzir ao máximo a utilização de combustíveis fósseis, tendo em curso um plano de substituição por combustíveis derivados de resíduos e que envolve, por exemplo, materiais com calor que já não podem ser reciclados e cujo destino final seria o aterro. É o caso dos pneus usados, que depois de serem alvo de processos de reutilização, recauchutagem e reciclagem, utilizamos como fonte de calor no processo de fabrico. Já atingimos um nível de substituição em calor de 50% nas nossas fábricas: actualmente as fábricas de Alhandra e Souselas já recebem mais de 300 toneladas por dia de combustíveis derivados de resíduos. Na componente de aumento de eficiência de energia eléctrica estamos igualmente a instalar sistemas de armazenagem de energia nas fábricas: na prática, são baterias industriais que vão permitir uma melhor gestão da energia eléctrica conjugando os consumos com a produção de energia e a armazenagem de energia em períodos mais favoráveis.
Quais os investimentos em curso nas fábricas?
A fábrica de Alhandra é um exemplo da nossa estratégia de descarbonização. Desde os anos 2000, e até 2010, beneficiou de um forte nível de investimento na componente ambiental, com a instalação de filtros de mangas e das melhores tecnologias disponíveis para abatimento das emissões poluentes. Os investimentos seguintes e em curso destinam-se a permitir continuar a crescer na substituição térmica, de modo a alcançar o máximo técnico possível de 80% e, em paralelo, utilizar hidrogénio para substituir a percentagem restante e, assim, completar a descarbonização. Para cumprir com este objectivo estamos a modernizar todo o processo associado, na prática a instalar uma nova unidade de produção.
A nível da eficiência energética, o plano de investimentos prevê a modernização dos equipamentos principais com implicação na redução do consumo de energia eléctrica. Paralelamente, decorrem investimentos que possibilitarão reduzir o consumo de energia eléctrica e o desperdício relacionado com o calor residual do processo de fabrico, calor esse que será aproveitado para produzir energia para autoconsumo. Estamos igualmente a instalar parques fotovoltaicos e turbinas eólicas, de modo a que a fábrica atinja 50% de substituição de consumo de energia da rede a partir de produção própria.
Este plano de investimentos, actualmente na ordem dos 125 milhões de euros, mas que se prevê que, até 2030, chegue aos 300 milhões, irá permitir que esta fábrica seja uma das mais modernas do mundo, contribuindo para a sua sustentabilidade. A fábrica de Alhandra hoje, é a mais antiga unidade da indústria cimenteira em funcionamento e com este nível de investimento estão reunidos todos os critérios para que se mantenha activa no futuro.
Em matéria de inovação, quais são as áreas prioritárias?
A Cimpor possui uma área específica que trabalha em investigação e desenvolvimento e que detém um portefólio de projectos muito relevante para a nossa meta da neutralidade carbónica. São projectos que se encontram em diferentes fases de implementação e que abrangem matérias-primas e produção de aditivos, por exemplo, com a instalação de unidades para recuperação do cimento dos resíduos de construção e demolição e respectiva utilização como aditivo para o produto final. Estimamos que, no próximo ano, esteja já em funcionamento.
Ao nível do processo, está em análise um produto alternativo ao clínquer, que designamos como “X clínquer”. Começou a ser desenvolvido com o MIT e com o Instituto Superior Técnico, devendo, durante o próximo ano, iniciar-se a produção numa das nossas fábricas. O objectivo é que este clínquer – que patenteámos – possa substituir o actual, na medida em que tem menos emissão carbónica para o mesmo nível de matérias-primas.
E, no que respeita o produto final, estamos a trabalhar no low carbon cement. É um projecto em curso na fábrica de Souselas e que envolve o uso de argilas calcinadas, cuja actividade pozolânica permitirá substituir parte do clínquer e, com isso, produzir cimento com as mesmas características, mas menos incorporação de clínquer, logo menos carbono.
Em que fase está esse processo de captura de CO2?
Neste momento, com o apoio de institutos europeus, estamos a definir qual será a melhor tecnologia e só depois será concretizada a instalação de uma unidade que permita a captura e utilização do CO2; estamos a falar de instalar uma fábrica dentro da fábrica. Atendendo que o nível de investimento é elevado, a identificação da melhor solução, é um passo crítico e que deve ser devidamente dimensionado para o fim que se pretende.
E quanto à utilização do hidrogénio?
Neste momento, temos vários estudos em curso com vista à introdução de hidrogénio no processo de fabrico, como fonte de combustível. O nosso plano estratégico prevê a instalação, na fábrica de Souselas, de uma unidade de dez megawatts, que irá produzir mil toneladas de hidrogénio por ano, as quais substituirão 4.400 toneladas de combustível fóssil e que irão conduzir a uma redução de 13 mil toneladas de CO2 por ano. Vamos substituir até 5% dos combustíveis fosseis em Souselas com este projecto, que será a maior unidade de produção de hidrogénio como fonte de combustível na indústria cimenteira.
Este conteúdo está inserido no projecto "Descarbonização: que caminho para Portugal?", que inclui ainda case studies de empresas nacionais e uma conferência dedicada ao tema da descarbonização em Portugal.