Imigração: o realismo está a matar o sonho

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“Dai-me os cansados, os pobres / As massas encurraladas ansiando por respirar livremente/ O miserável refugo das suas costas fervilhantes/ Mandem-me estes, os sem-abrigo, os arremessados pela tempestade/ Pois eu ergo o meu farol ao lado da porta dourada!”

Não temos belos versos, gravados em bronze na base de uma estátua, que digam o quanto um país deve à imigração e mostrem, hoje, o quanto se afastou desta declaração de generosidade, como acontece com a estátua da Liberdade e os Estados Unidos da América. Mas poderíamos citar uma frase vibrante de um dos arquitectos da União Europeia, Jacques Delors: “Vamos, coragem, a primavera da Europa ainda está à nossa frente.”

Com cada vez menos coragem e com as cautelas de um velho no inverno, a União Europeia vai abdicando da generosidade (e da necessidade) com que foi acolhendo refugiados e imigrantes dos mais diversos pontos do mundo. Soçobrando às forças eleitorais que empurram o continente para a direita cada vez mais nacionalista, cada vez mais egoísta, vai erguendo muros e aceitando o que antes achava reprovável.

O horror à decisão dos conservadores britânicos de “exportar” para o Ruanda os requerentes de asilo que entrem ilegalmente no Reino Unido cedeu à abertura de Von der Leyen para explorar “estratégias inovadoras para prevenir a imigração irregular”, como a experiência de Georgia Meloni de enviar para centros de detenção na Albânia os migrantes que sejam recolhidos no Mediterrâneo.

O próprio Pacto Europeu para as Migrações e Asilo, aprovado à pressa em Abril, antes que as forças da direita radical conquistassem mais espaço no Parlamento Europeu, pode não resistir ao nível de realismo político que parece ter acometido muitas capitais europeias.

A vontade é não “favorecer os extremismos”, como nos dizia um diplomata europeu. Mas se o método é ir tornando palatável o que antes era intragável é difícil perceber onde acaba a táctica e começa a rendição. A repetição da falsa premissa da “política de portas escancaradas” ou da ideia de que há um aumento da migração, quando tal não é verdade, ajudam a compor o quadro de necessidade.

Sim, há um risco de que as forças de direita conquistem mais poder e possam ditar as suas políticas. Mas se o caminho é ir cedendo, em vez de combater as ideias que consagram o egoísmo nacionalista, temos de nos interrogar se, aos poucos, não estamos a abdicar da essência de união que reside no projecto europeu.

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