Quantas vezes dás por ti a "fazer play” nos velhos favoritos, a reviver a mesma série que já viste – e que até sabes de cor?
Sou um crónico espectador de séries repetidas. Episódios de sitcoms como Blackladder (1983-89), Doc Martin (2004-22) e The Office (2005-13) – literalmente uma vida de séries – representam, geralmente, conforto em tempos de stress. Mas, recentemente, com uma deadline particularmente desafiadora, dei por mim a mudar o meu hábito. Em vez do escapismo a que normalmente recorro, mudei para Breaking Bad (2008-13) – um thriller para roer as unhas, com uma narrativa de anti-herói – e imediatamente senti-me seguro.
O que é que as escolhas que repetimos dizem sobre nós? É aceitável continuarmos a recorrer aos velhos favoritos?
Histórias ficcionais, relacionamentos reais
Ainda que sejam unilaterais, as relações que formamos com as personagens das nossas séries favoritas podem parecer muito reais. Podem aumentar o nosso sentimento de pertença, reduzir a solidão – e continuar a cativar-nos.
Quando as revemos, sentimos tristeza, alegria e saudade, tudo ao mesmo tempo. Podemos chamar à junção de todas estas contradições “melancolia”.
Originalmente criado no século XVII para descrever os soldados suíços incapacitados pelas saudades de casa, os psicólogos entendem, hoje em dia, a reflexão nostálgica como um escudo contra a ansiedade e a ameaça, promovendo um sentimento de bem-estar.
Todos confiamos na ficção para nos transportar para fora das nossas próprias vidas e realidades. Ver coisas que nos trazem nostalgia expande a experiência, levando-nos a um sítio que já conhecemos e do qual gostamos.
Fazer binge-watching da nostalgia
A pandemia de covid-19 começou uma onda de ver coisas que traziam nostalgia.
Nos Estados Unidos, a analista de audiências Nielsen reportou que a série mais vista em 2020 foi a versão americana de The Office, sete anos depois do último episódio. Um inquérito da Radio Times apurou que 64% dos inquiridos disseram ter assistido a uma série repetida durante o confinamento, com 43% a assistirem a séries nostálgicas.
Fomos, de repente, atirados para uma situação nada familiar e entrámos num constante estado de inquietação. Tivemos mais tempo livre, mas também nos quisemos sentir seguros. Ver conteúdo familiar tornou-se num escape – um refúgio que nos tirava da realidade e do futuro desconhecido.
Revisitar conexões com personagens de séries deu-nos um sentido de controlo. Sabíamos o que o futuro lhes reservava, e a calma e previsibilidade nas suas vidas equilibrou a incerteza das nossas.
A nostalgia como um ponto do enredo
A nostalgia tem estado no ADN da televisão desde as primeiras decisões relativas a programas.
Todos os meses de Dezembro, os canais transmitem uma das muitas versões de A Christmas Carol, de Charles Dickens, que também usa a nostalgia como um instrumento do enredo. Transmitido pela primeira vez em 1944, na altura com uma nova tecnologia, continuou a ser transmitido ao longo dos anos.
Sentarmo-nos em frente ao televisor para ver A Christmas Carol liga-nos ao período de festas e a uma metamorfose que nos aquece o coração. Ebeneezer Scrooge revisita versões perdidas de si mesmo e passa de vilão a nosso velho amigo numa só noite. Enquanto espectadores, revisitar esta personagem na mesma altura, todos os anos, pode também ligar-nos de volta ao nosso eu do passado e criar um padrão previsível, mesmo em plena silly season.
(Re)conectar com o mundo real
A neurociência por trás das experiências nostálgicas é clara. A nostalgia aumenta quando a informação sensorial – como o que vês na TV – se liga a emoções e experiências passadas. Desencadeia a libertação de dopamina, o neurotransmissor ligado à emoção e motivação, que funciona como sistema de recompensa.
Sentir nostalgia é como "fazer play” numa experiência passada positiva, regulando o humor. Por isso, a nostalgia baseia-se em experiências codificadas na memória. As séries que escolhemos rever reflectem os nossos valores, os nossos gostos, e as fases da vida que já passámos.
Talvez isto seja um motivo pelo qual os reboots das nossas séries favoritas são, por vezes, uma desilusão para os fãs. Ainda me lembro da decepção esmagadora que senti quando vi o reboot de Knight Rider (2008-09). Virei-me, imediatamente, para as redes sociais, para tentar encontrar uma comunidade com o mesmo sentimento.
Mais forte por causa do stress
Voltando à minha deadline desafiadora: o que foi que, na nostálgica experiência de assistir a Breaking Bad, a tornou diferente?
Breaking Bad evoca uma fase particular da minha vida. Devorei as primeiras três temporadas enquanto escrevia a minha tese de doutoramento. A jornada de Walter White rumo à redenção entrelaça-se com uma época difícil que ultrapassei.
A previsibilidade da trajectória de Walter White da segunda vez que vi a série foi um céu improvável. O drama de alto risco espelhava o meu stress, que aumentava, ao mesmo tempo que me ligava à pessoa que era quando vi a série pela primeira vez. O resultado? O “modo medo” desligou-se – mesmo quando os meus anti-heróis marcharam mais uma vez para o seu cinemático castigo. A realidade, passada ou presente, pode ser pior.
Exclusivo P3/The Conversation
Anjum Naweed é professor de Ergonomia na Universidade Central de Queensland