Bombeiros a 2,80 euros à hora

É essencial investir não só na profissionalização e valorização dos bombeiros, mas também em tecnologias nacionais que já existem e podem fazer a diferença.

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Não é difícil encontrar serviços de pet sitting ou de limpezas domésticas a entre 10 e 20 euros por hora. No entanto, os bombeiros que integram o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR) recebem apenas 2,80 euros por hora, e os seus comandantes 3,26 euros. Este contraste diz muito sobre o tipo de serviço que o país quer para combater os incêndios.

Sete anos após o trágico ano de 2017, em que os fogos florestais resultaram na perda de 116 vidas, Portugal ainda não possui um serviço de combate a incêndios adequadamente profissionalizado e remunerado, compatível com o risco e com a importância da profissão de bombeiro. Como é possível que ainda não exista no país um serviço de bombeiros com um sistema de recrutamento sólido, com formação e com remuneração à altura?

Se Portugal e as empresas tecnológicas portuguesas já desenvolvem tecnologias de prevenção e combate aos incêndios, onde é que estão a ser aplicadas? O que mais é preciso acontecer para apostarmos nas nossas capacidades? Quantas mais pessoas têm de morrer? Quantos mais hectares têm de ser queimados, casas e negócios destruídos?

Portugal tem capacidade para mais. Por exemplo, a Introsys criou um software de visão artificial usado na monitorização de áreas afetadas pelos incêndios, e a Tekever, também tem tecnologia para drones que podem apoiar a Proteção Civil. Onde está o investimento para o desenvolvimento e industrialização deste tipo de tecnologias portuguesas? São empresas e engenheiros portugueses que desenvolvem estas soluções. Porque não aproveitamos estas capacidades nacionais para combater um problema que assola o país todos os anos?

Trata-se de produtos que já têm conceitos comprovados, o Governo conhece-os, sabe da sua existência, e estas empresas estão referenciadas na Base Tecnológica e Industrial de Defesa Nacional. Porque continuamos a ignorar a capacidade tecnológica portuguesa quando o país mais precisa?

A Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (Agif), também criada em 2017 para coordenar a gestão dos fogos rurais, tem feito avanços, mas a realidade mostra que ainda há muito a fazer. A profissionalização dos bombeiros continua adiada, assim como ações eficazes para a gestão das florestas. É irrealista pensar que campanhas publicitárias ou coimas vão resolver a falta de limpeza nas florestas privadas. Na realidade, são necessários incentivos que permitam aos privados obter retorno suficiente para investir nas florestas, e não estou a falar de subsídios, mas sim de rentabilizá-las, por exemplo no mercado de carbono ou noutras soluções que já existem.

O que está em causa não é apenas o combate aos incêndios, mas sim uma visão sobre o papel dos bombeiros e da gestão das nossas florestas. Continuar a remunerar quem arrisca a vida com 2,80 euros à hora é desvalorizar o sacrifício e o esforço de quem nos protege. É essencial investir não só na profissionalização e na valorização dos bombeiros, mas também em tecnologias nacionais que já existem e podem fazer a diferença. A solução passa por uma visão integrada, que inclua uma aposta séria na prevenção, no uso da tecnologia e no incentivo à gestão sustentável das nossas florestas. Só assim podemos travar este flagelo que, ano após ano, ameaça vidas, bens e o nosso património natural.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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