Fica a faltar a transparência nas eleições de 9 de Outubro em Moçambique
Comissão eleitoral autorizada a reutilizar urnas de outras eleições, apesar de a nova lei obrigar ao uso de urnas transparentes com uma ranhura. Hackers atacam servidor da CNE: “Dados estão seguros.”
A Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique foi autorizada pelo Conselho Constitucional a violar a Lei Eleitoral, recentemente alterada na Assembleia da República, e a recorrer a urnas eleitorais usadas nas eleições autárquicas de 2023. A nova legislação obriga à utilização de urnas transparentes com ranhura única para minimizar a possibilidade de fraude eleitoral, ao dificultar a introdução de mais de um boletim de voto por eleitor.
A CNE justifica a sua decisão pela falta de orçamento para substituir todas as urnas existentes por outras transparentes, bem como a escassez de tempo entre a entrada em vigor da legislação eleitoral (23 de Agosto) e o dia da votação (9 de Outubro). Os 47 dias, entre a entrada em vigor da legislação e a eleição tornava o processo inexequível, segundo a autoridade eleitoral. Além disso, já tinham sido gastas verbas para adquirir mais 14.775 urnas de voto iguais às 64.106 existentes para estas eleições presidenciais, legislativas e provinciais.
Para o Centro de Integridade Pública (CIP), organização da sociedade civil que monitoriza os processos eleitorais em Moçambique, “ao se dar por validada a deliberação da CNE sobre o uso das urnas do processo das eleições autárquicas de 2023, abre-se um caminho para que as situações de fraude eleitoral, ao exemplo das registadas nas eleições [anteriores], possam ser praticadas, sobretudo no que se refere a casos de introdução, nas urnas, de mais de um boletim de voto a favor de certos partidos, minando a transparência e a justeza do processo”.
A Renamo, o maior partido da oposição, apresentou recurso junto do Conselho Constitucional (a mais alta instância judicial em questões eleitorais) em relação à decisão da CNE, mas o mesmo foi rejeitado, concordando o tribunal com os argumentos apresentados pela autoridade que gere os processos eleitorais em Moçambique. Mesmo tendo em conta que é a lei aprovada que especifica a obrigatoriedade de uso de urnas transparentes e com uma só ranhura.
Para o CIP, esta decisão rompe o consenso que foi alcançado entre as três forças políticas com assento parlamentar em Moçambique (Frelimo, Renamo e MDM) e “pode instalar um clima de desconfiança e tensão, especialmente vindo do lado do partido proponente da adopção das novas urnas”, que teria sido a Renamo.
O enchimento de urnas é uma das grandes preocupações dos partidos da oposição. A introdução de boletins de voto fraudulentos dentro das urnas tem sido um método levado a cabo pelo partido no poder para garantir resultados favoráveis, como tem vindo a ser denunciado sistematicamente pela oposição nos processos eleitorais.
E não são as palavras do porta-voz da CNE, Paulo Cuinica, citado pela Lusa, que vão sossegar a oposição: "Com relação ao enchimento das urnas, eu penso que estamos preparados para evitar que isso aconteça, primeiro porque os cidadãos estão consciencializados, nós vemos uma grande consciencialização política dos cidadãos, estão preocupados com o processo eleitoral."
Na conferência de imprensa desta segunda-feira, Cuinica informou que o site da CNE tinha sido alvo de um ataque informático no sábado e que “as consequências do ataque ainda estão por apurar”. No entanto, aproveitou para garantir que, “tanto o site dos órgãos eleitorais como a informação lá contida estão em segurança”
"Os órgãos eleitorais já recuperaram o controlo, estamos neste momento a trabalhar para fortalecer os mecanismos de segurança, de modo a evitar outras invasões", disse o porta-voz.
De acordo com a sua explicação, os hackers criaram um link com os símbolos da CNE e do Secretariado Técnico da Administração Eleitoral (STAE) para poderem passar informação maliciosa. "Conseguimos eliminar o link criado pelos malfeitores", adiantou Cuinica.