António Guterres: “Não deixem que o Líbano se torne outra Gaza”
Israel anunciou morte de comandante do Hezbollah. Na segunda-feira, os seus ataques mataram pelo menos 569 pessoas no Líbano.
O gabinete de media do movimento xiita libanês Hezbollah emitiu um comunicado dizendo que a sua luta contra Israel já não tem apenas como objectivo defender os palestinianos de Gaza, mas sim o Líbano e o povo libanês, depois de, na véspera, ataques israelitas terem matado pelo menos 569 pessoas, das quais 50 eram crianças, e ter deixado 1835 pessoas feridas – no dia mais mortífero no país desde a brutal guerra civil de 1975-1990.
Até agora, o Hezbollah, que começou a lançar rockets contra o Norte de Israel depois do ataque do Hamas de 7 de Outubro, dizia que pararia de lutar quando fosse assinado um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza.
O movimento disparou durante o dia de terça-feira cerca de 220 rockets contra Israel, o maior número num dia desde o início da guerra. Israel disse entretanto que num ataque esta terça-feira tinha morto Ibrahim Qubaisi, o comandante da divisão de rockets e mísseis do Hezbollah. Antes, tinha declarado o fim da fase actual da operação que começou na segunda-feira.
Esta operação, escreveu no diário Haaretz o jornalista Amos Harel, significou que Israel e Hezbollah estão em guerra, “mesmo que soldados israelitas não tenham ainda atravessado a fronteira com o Líbano e que o Hezbollah não tenha ainda concretizado a sua ameaça de disparar rockets contra a zona de Telavive”.
“Os ataques recentes de Israel no Líbano podem ter virado a página desta guerra de atrito para uma situação muito mais aguda, deixando a região à beira de uma guerra total”, escreveu Asher Kaufman, professor de História e Estudos da Paz, num artigo no site The Conversation. “Uma guerra que poderia causar grande destruição no Líbano e em Israel, e que poderá também arrastar o Irão e os Estados Unidos para um confronto directo.”
A questão mais imediata era que resposta iriam dar o Hezbollah, e o Irão (e qual deles decidirá o que fazer: se há analistas a achar que o Hezbollah pode arrastar o Irão para uma guerra, também há quem diga que o Irão pode decidir preservar o movimento e o seu poder político e implantação social no Líbano).
Não era claro se a declaração do Hezbollah indicava que o movimento poderia ir mais longe, implicando o uso armas capazes de atingir a zona de Telavive ou alvos além do Norte, mesmo com o risco de uma retaliação israelita que seria desastrosa para o Líbano. Até agora, o movimento tem sido cauteloso e tem tentado calibrar os ataques para não arriscar uma resposta israelita devastadora. E, se decidisse retaliar agora, iria fazê-lo de uma posição mais enfraquecida depois dos ataques dos pagers com explosivos e das mortes de boa parte da sua liderança, sublinhou Kaufman.
O Irão manteve, ainda no plano das declarações, o apoio ao movimento libanês, com o Presidente, Masoud Pezeshkian, a dizer numa entrevista à emissora norte-americana CNN que o Hezbollah “não pode enfrentar sozinho um país que está a ser defendido, apoiado, e abastecido por países ocidentais”.
Mas o que significa isso? “Vão mandar reforços ou pedir ao Hezbollah para parar?” perguntava a analista Kim Ghattas na rede social X. “Essa é a questão-chave.”
Israel diz que está a atacar o Hezbollah e não o Líbano, mas muitas das vítimas foram mulheres e crianças (pelo menos 94 mulheres e 50 crianças, segundo as autoridades libanesas). Morreram também quatro socorristas (foram atingidas 14 ambulâncias e carros de bombeiros).
As escolas do país estão fechadas e a servir de abrigo para as muitas pessoas que fugiram do Sul. “Dezenas de milhares de pessoas foram obrigadas a sair das suas casas ontem e durante a noite, os números continuam a aumentar”, disse o porta-voz do ACNUR (a agência da ONU para refugiados) Matthew Saltmarsh, em Genebra.
Estes acontecimentos dominaram a sessão de abertura da 79.ª Assembleia Geral da ONU em Nova Iorque. “Não deixem que o Líbano se transforme noutra Gaza”, apelou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, no seu discurso.
Guterres lamentou que um número cada vez maior de países ajam à margem do direito internacional, violem a Carta das Nações Unidas, que possam “invadir outro país, arrasar sociedades inteiras ou desprezar completamente o bem-estar do seu próprio povo”, tudo isto sem que nada lhes aconteça.
“O nível de impunidade do mundo é politicamente indefensável e moralmente intolerável”, declarou Guterres.