Lisboa merece uma câmara municipal que funcione

Já por duas vezes o Partido Socialista teve de organizar a casa e pôr a câmara municipal a funcionar e Lisboa sabe que poderá contar com o PS novamente.

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Esta semana, num raro momento de atenção mediática no qual o foco do escrutínio da opinião pública se virou para si, Carlos Moedas foi tropeçando nas suas narrativas de culpabilização do passado, vitimização e incoerência. Confrontado com os factos e as comunicações com a empresa JCDecaux, acabou por abandonar a Assembleia Municipal de Lisboa, sem prestar as devidas contas ao órgão fiscalizador da câmara.

O caso dos ecrãs publicitários gigantes, além da onda de indignação pública, pouco ou nada traz de novo acerca da forma como funciona a Câmara Municipal de Lisboa (CML) sob a gestão de Moedas. Este mandato, como muitos foram aliás alertando, foi sempre marcado pela falta de ambição e pela falta de visão estratégica, por um lado, e pelo abandono, puro e simples, de funções não propagandeáveis como a coordenação de serviços e a fiscalização, por outro.

Se é difícil que uma cidade evolua sem uma estratégia, é impossível que funcione sem fiscalização. Apesar de em áreas como a Higiene Urbana o problema residir na falta de acompanhamento e coordenação de serviços, torna-se evidente que as principais causas do estado de abandono da cidade resultam da falta de fiscalização.

Falta de fiscalização causada por falta de pessoal, mas, principalmente, pela visão errada de não confrontar ninguém. É este conceito, esta “nova filosofia” de fiscalização “pedagógica”, como anunciada na EMEL, que resulta nos abusos que vamos vendo: o aumento do estacionamento indevido em zonas exclusivas para moradores, do estacionamento em cima de passeios e passadeiras, o abuso das segundas filas, tudo causado pela decisão de substituir a fiscalização pela propaganda fofinha.

Foquemo-nos agora no Urbanismo, onde, além do absoluto vazio de planeamento, a CML não só não fiscaliza, como recusa delegar nas juntas de freguesia a garantia efetiva do cumprimento da lei. Desta ausência de fiscalização resultam problemas, que sempre existiram, mas que se agravam significativamente com o aumento da pressão da gentrificação e da carga turística.

Desde logo, aumenta o problema do ruído, que tem sido atirado pelo presidente da câmara para a legislação do licenciamento zero. Ora, o problema não está na lei, mas sim na falta de fiscalização: a câmara tem igual obrigação de fiscalizar os estabelecimentos com ou sem licenciamento zero. Sem licenciamento zero, a fiscalização prévia seria semelhante à fiscalização realizada hoje, não resolvendo por isso absolutamente nada.

O caos dos fios de telecomunicações nas fachadas, com um regulamento não cumprido, o caos dos estaleiros de obras e ocupação de contentores e passeios com estruturas de obras, ou ainda a forma como as concessionárias destroem o espaço público impunemente, são todos exemplos do caos que reina nestes gabinetes.

No entanto, o mais grave talvez seja a destruição do espaço público por obras privadas. Efetivamente, a renúncia da fiscalização prévia por parte da câmara municipal resulta no licenciamento de obras cujos impactos financeiros de recuperação e simples reposição das condições de segurança e conforto de todos os que por ali passam ficam a cargo do município e das freguesias.

Em matéria de Habitação, a CML, aqui com o descaramento de assumir publicamente algumas das suas posições, recusa-se a cumprir a lei e exercer as suas competências: sem fiscalização, não há aumento de IMI para prédios devolutos, nem há verificação dos locais de alojamento local ilegal (os acordos com as principais plataformas não chegam, basta ver a oferta em sites menos direcionados para perceber o volume de informalidade). Não há igualmente fiscalização das condições de segurança e habitabilidade. Por mais que o executivo municipal grite “onde está o SEF?”, a competência não muda e é mais uma obrigação municipal, que põe em causa a segurança dos lisboetas, que a Câmara de Lisboa não exerce.

Vamos ouvindo sempre a mesma desculpa: “Faltam meios”. A quem não tem vontade de fazer os meios faltarão sempre. Além da desastrosa gestão financeira, além da preferência em criar momentos de pura propaganda, ao invés de aumentar a capacidade de investimento, o que falta acima de tudo é capacidade política e vontade de pôr a casa a trabalhar.

Já por duas vezes o Partido Socialista teve de organizar a casa e pôr a câmara municipal a funcionar e Lisboa sabe que poderá contar com o PS novamente. Como fomos alertando, não é com propaganda que se resolverão os problemas da cidade. Este caso dos ecrãs publicitários gigantes alertou a opinião pública e o espaço mediático para o estado da cidade e ainda bem. Lisboa precisa de um executivo municipal ambicioso e que resolva os problemas das pessoas, mesmo que não sejam glamorosos ou bom conteúdo para o Tik-tok.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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