Para David Guimaraens, há uma pergunta essencial a fazer quando se trata de vinho do Porto biológico: “Uma pessoa tem de questionar se o vinho é feito porque o viticultor acredita na viticultura sustentável e biológica ou porque quer uma oportunidade de mercado”, diz o enólogo e produtor do Douro, director técnico da Fladgate Partnership. A empresa é dona de grandes marcas de vinho do Porto como a Taylor’s, a Croft e a Fonseca, esta última a primeira a lançar um vinho do Porto biológico certificado, no ano de 2006.
A história do vinho biológico da Fonseca, o Terra Prima Organic Port, é “longa mas bonita”, continua o enólogo, e resulta de muita teimosia. Em 1992, Bruce Guimaraens, pai de David Guimaraens, à frente do negócio que agora vai na sexta geração familiar, desafiou-o “a converter uma parte das vinhas da Quinta do Panascal para viticultura biológica”, conta David. Para a tarefa, teve a ajuda de António Magalhães, “um dos grandes mestres da viticultura do nosso país, que nem de propósito se reformou este ano”.
Desde os anos 90, tudo o que aprenderam com esta espécie de laboratório vitivinícola tem servido de modelo de sustentabilidade para outras vinhas do grupo, confessa. “Eu até diria que qualquer viticultor grande e profissional devia ter sempre uma vinha biológica, porque serve como testemunha [para saber], se houver alguma dificuldade, se o problema é do ano ou do que está a fazer.”
Apesar da conversão da Quinta do Panascal ter acontecido em 1992, só mais de uma década depois é que o Terra Prima foi lançado. Só aconteceu quando David conseguiu encontrar uma aguardente também de produção biológica, essencial para a certificação do vinho. “Para nós não era importante estarmos a comercializar o vinho. Era mais importante aquilo que estávamos a aprender com a viticultura biológica. E aprendemos muitas coisas.”
A gestão da erva que cresce à volta da vinha, por exemplo, ou os desafios de não usar produtos químicos, “que na agricultura da década de 70 e 90 prometiam ser a grande solução” foram algumas delas, enumera. “Afinal, no Douro, com um clima quente e seco, conseguimos com muita facilidade ter uma viticultura biológica, sobretudo se compararmos com as regiões vinhateiras do Norte da Europa.”
Um vinho para beber jovem
Também a Symington, outra das principais casas do Douro, acordou para o Porto biológico um pouco depois, com o Graham’s Natura, no mercado desde 2010. Segundo as contas do enólogo do grupo, João Pedro Ramalho, a conversão das vinhas para este modo de produção terá começado por volta de 2006. Além do Porto, a marca aposta em vinhos provenientes de viticultura biológica como o popular Altano ou o Quinta do Ataíde, lançado mais tarde.
Aliás, no site da empresa, orgulham-se de ter a “a maior área de vinha biológica na região do Douro”, com 112 hectares, “onde todas os enrelvamentos e ervas daninhas são controladas por tractores e tesouras manuais e não são usados herbicidas ou pesticidas”, lê-se.
O Porto Graham’s Natura, um reserva ruby, é feito com uvas de duas propriedades: de 10 hectares de vinha em modo biológico da Quinta dos Malvedos, perto do Tua, e de 4 hectares também em modo biológico da Quinta das Lages, no vale do Rio Torto, onde há uma mistura de castas.
“[O vinho] é fermentado com leveduras naturais, praticamente não usamos produtos nenhuns”, explica o enólogo João Pedro Ramalho. “São vinhos que não envelhecem em madeira [envelhecem em cubas de inox]. Como a madeira é utilizada para outro tipo de vinhos, não podemos utilizá-la para vinhos biológicos para prevenir contaminações. Toda a vinificação é muito cuidada.”
Além da aguardente biológica, o Graham’s Natura só leva o “essencial de sulfuroso”, continua João Pedro. “Não usamos mais nenhum tipo de aditivos, embora agora já haja algumas gomas arábicas [para estabilizar os aromas] de origem biológica.”
Ao contrário dos outros Portos, este não é um vinho para envelhecer. “São vinhos para consumir num prazo de 24 meses desde que são engarrafados”, continua o enólogo da Symington. “É um vinho para beber relativamente novo, caso contrário teríamos de fazer um Reserva Tawny, que já teria de ir a madeira. A grande dificuldade aqui é não podermos usar madeira, para evitar a contaminação.”
Preservar a Biodiversidade
Já a Maynard’s, marca de vinho do Porto da empresa Van Zeller Wine Collection, tem no seu portfólio cinco Portos biológicos, com colheitas de 2015, 2016, 2017 e 2019. Álvaro van Zeller, um dos irmãos à frente do negócio, mostra-nos numa prova os diferentes estilos de vinhos da marca, do Vintage ao Pink Port, do Finest Reserv ao LBV, sem esquecer o Crusted.
A prova acontece na adega recuperada da Quinta do Saião, perto do Pocinho, nas mãos da família desde 2012, um sítio idílico com vista para o Douro onde alguns destes vinhos são feitos.
As vinhas da quinta, cerca de 10 hectares – 7.5 dos quais já plantados pelo antigo proprietário –, são um bom exemplo da produção biológica seguida pela empresa. Álvaro van Zeller explica que a conversão para este modo foi um passo natural no processo de recuperação da quinta, que aconteceu por volta de 2015. “Veio de querermos preservar a biodiversidade”, começa. “Não arrancámos um só carrasco para plantar a vinha”, diz, a apontar para o arbusto. “E mesmo a fazer os muros [da quinta], não deixei que arrancassem carrascos.”
Só as oliveiras foram replantadas numa estrada cénica que dá acesso ao enoturismo da quinta, que em 2022 venceu o Prémio de Arquitectura do Douro. “Achei que [o biológico] era um desafio, já que tinha feito tanto esforço na preservação”, continua.
Ao seu lado, Ricardo Calaixo, enólogo da quinta, vai-nos explicando ao longo das vinhas alguns dos desafios práticas da produção biológica. A começar com as “ervas” na vinha, que trazem várias vantagens: “Menos erosão do solo, nutrição de matéria orgânica, mais oxigénio à raiz da planta, mais microorganismos”, explica. “Temos de estar muito atentos porque não usamos produtos preventivos de longa duração. Sempre que há um ataque [na vinha] temos de estar presentes e actuar logo, senão não conseguimos ganhar a produção. Esse é um dos principais transtornos comparado com a outra agricultura.”
Um nicho de mercado
Além do cuidado a ter com a vinha, é preciso também suportar os custos da produção biológica de vinho do Porto. David Guimaraens, da Fonseca, tem uma fórmula: “Uma vinha biológica tem 20% mais de custos e 20% menos de produção. É uma regra simples que vemos estes anos todos mais tarde”, diz.
Álvaro van Zeller concorda que a produção dá mais custos, sobretudo com a adição de aguardente, que importa de França, dos “grandes destiladores”. “Uma aguardente biológica custa quase três vezes mais do que uma aguardente normal.”
É também isso que faz encarecer o preço dos vinhos biológicos. “Normalmente são mais caros devido aos custos de tratamento e de todas as operações. A procura vem mais da consciência de sustentabilidade que existe, normalmente de países mais do Norte da Europa, que têm esse cuidado”, continua Álvaro van Zeller.
João Pedro Ramalho, da Symington, diz que há um “nicho de mercado” que procura estes vinhos. “Destina-se a uma fatia bastante reduzida de consumidores. Alguns mercados europeus, também nos países nórdicos e em Portugal. Tem vindo a crescer, não sei se pela qualidade se por ser biológico.”
David Guimaraens afirma que a procura é um reflexo das preocupações ambientais crescentes. “O produtor de vinho tem uma ligação mais próxima ao consumidor final, que está cada vez mais consciente das práticas de sustentabilidade.”
No entanto, nem todos estão disponíveis a pagar mais por isso. “O consumidor que está disponível a pagar aquele valor extra para vinhos biológicos é um segmento muito pequeno, e portanto, aquilo que para mim é mais importante nas vinhas biológicas e no vinho do Porto biológico é aquilo que nos ensina e nos permite passar para toda a outra viticultura.”
Quase duas décadas depois de ter lançado o primeiro Porto biológico, a Fonseca tem perto de 5 hectares de vinha em modo biológico. “Mas em modo de produção sustentável são mais de 250 hectares de vinha”, conclui David.