Iúri Leitão não travou até chegar à prata em Paris

Antes dos Jogos Olímpicos, Leitão disse ao PÚBLICO que queria “apenas” um lugar nos oito primeiros. Mera gestão de expectativas? Talvez. Ele era mesmo um “ás de trunfo” para Portugal.

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Iuri Leitão nos Jogos Olímpicos de Paris HUGO DELGADO / LUSA
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Iúri Gabriel Dantas Leitão – é este o nome do segundo medalhado português nos Jogos Olímpicos de Paris. Tem 26 anos e é de Viana do Castelo. Foi ele que, nesta quinta-feira, numa bicicleta sem travões, abraçou essa condição e não travou enquanto não chegou à prata no omnium do ciclismo de pista. Ficou à frente do espanhol Albert Torres e só foi batido pelo francês Benjamim Thomas, com quem chegou a fazer uma aliança na fase decisiva da corrida gaulês que pode agradecer a Iúri o facto de o português ter tido uma atitude de campeão, ao não atacar quando Thomas caiu.

Antes dos Jogos Olímpicos, um português que quisesse defender o Portugal olímpico numa conversa de café poderia recorrer a Pedro Pablo Pichardo e Fernando Pimenta, mas também a um rapaz que levou a França duas rodas, um guiador, virou sempre para a esquerda e não levou travões. E se Portugal tinha esse trio de “ases”, não seria improvável que Leitão fosse o ás de trunfo.

Ao contrário de Patrícia Sampaio, que superou as expectativas nacionais – e até as próprias –, Iúri Leitão era um evidente candidato às medalhas. Num primeiro plano de favoritismo, foi dele que mais se falou, a par de Pichardo e Pimenta.

Antes dos Jogos, o minhoto, segundo classificado no omnium olímpico em Paris, tinha dito que queria “apenas” um lugar nos oito primeiros. No fundo, o souvenir que queria levar de Paris era um bonito diploma olímpico. Mas, sejamos justos, nessa conversa com o PÚBLICO aquilo “tresandou” a gestão de expectativas.

O campeão do mundo desta vertente do ciclismo voltaria para Lisboa satisfeito com um oitavo lugar? Convenhamos: até poderia não voltar triste, mas voltaria realmente satisfeito? É difícil crer. E mais difícil fica depois de ver o que aconteceu em Paris, no bem quente Velódromo de Saint-Quentin-en-Yvelines.

As Spice Girls estavam a embalar os ciclistas a dizerem “tell me what you want, what you really, really want” e Leitão disse o que queria. E conquistou-o.

Aqui esteve Leitão a levar a prata, na estreia de Portugal na vertente masculina do ciclismo de pista, dando nexo à aposta na “fábrica de medalhas”, em Sangalhos, complexo de ciclismo que forma talento desde 2009 e, no âmbito da modalidade, não é muito menos do que um silicon valley “à portuguesa”.

Começou discreto

Quem assistiu à prova do omnium certamente pôde divertir-se, porque há poucas competições olímpicas mais entusiasmantes do que esta. É mexida, dinâmica, provoca ansiedade, tem reviravoltas permanentes, tem quatro vertentes, tem muita estratégia e é feita sempre a alta velocidade.

Mas talvez possa ter parecido complexa a quem não costuma deitar o olho ao ciclismo de pista e pense que houve um grupo de ciclistas a pedalarem rapidamente numa pista oval, numa espécie de Nascar sem motor e sem travões. Mas foi mais do que isso.

Durante o dia, Iúri Leitão passou por quatro provas de ciclismo de pista, de preceitos e regras diferentes. A primeira das quatro provas correu assim-assim ao português. Mas, em rigor, correu bem a poucos e Leitão minimizou perdas. Leitão até apareceu nos primeiros lugares no sprint final, mas já havia quatro ciclistas com os primeiros lugares no bolso, depois de darem uma volta de avanço aos restantes.

A prova não correu especialmente bem a Leitão, é verdade, mas também não correu mal: minimizou perdas com o sétimo lugar, sendo o terceiro após os fugitivos. Estava bem dentro da luta.

Subiu a lugar de bronze na tempo race

Depois, veio a tempo race, na qual, durante os mesmos dez quilómetros, houve sprints em todas as voltas e o primeiro ciclista a passar a meta ganhava um ponto, com 20 pontos extras para quem desse voltas de avanço.

E Leitão foi sagaz. Começou forte nos sprints de volta, somando três pontos logo no início. O belga Van den Bossche conseguiu uma volta de avanço e, assim que dobrou o pelotão, houve espaço para Leitão se juntar a três “amigos”.

Dobraram o pelotão e só a demora na atribuição dos 20 pontos criou apreensão. Leitão sabia que tinha os pontos no bolso, mas a demora no placard pode ter provocado desgaste adicional, porque o português foi buscar mais alguns sprints de volta.

Assim que “caíram” os pontos, o português pôde descansar e repor energias no que restava da prova. Subiu ao terceiro lugar e estava em posição de bronze.

A eliminação

Depois, o terror de Leitão. Chegou a prova de eliminação, fase à qual o português assumiu ao PÚBLICO que “costuma ter um bocadinho de aversão, pelo nervosismo e pela perigosidade” da prova.

No fundo, o último ciclista a passar a meta, de duas em duas voltas, é eliminado e deve abandonar a pista. Mais do que quem passa em primeiro, importa quem não passa em último – lógica oposta à maioria das corridas. É intenso, mas divertido. E foi intenso. E divertido.

Leitão andou muito tempo em zona perigosa e safou-se da eliminação por meros centímetros em quatro eliminações seguidas. Estava a arriscar muito, mas, por outro lado, é preciso estar com muito boas pernas para se prestar a correr desta forma.

Acabou, depois, a ser excluído num momento em que até parecia ter energia. Depois de uma confusão com a eliminação de Gaviria em vez de Thomas, com correcção tardia dos juízes, Leitão pareceu queixar-se de que não ouviu o sino a avisar da eliminação seguinte e deixou-se antecipar.

Acabou a prova a esbracejar, queixando-se de algo. Mas houve sino. Se era essa a queixa do português, não pareceu ter razão.

Prova final

Na primeira fase da última prova, o português esteve em modo gestão, sem discutir os dois primeiros sprints. Mas teve de se mexer quando uma fuga de quatro elementos, com Thomas e Van den Bossche, se chegou à frente.

Aquele era o grupo que Leitão não podia perder e o português teve de fazer um esforço brutal, sozinho, para apanhar o grupo. Foi o movimento que valeu a medalha.

Os cinco deram a volta de avanço que procuravam e o pódio ficou mais definido, com o belga, o francês e o português já com uma vantagem simpática para o alemão Tim Teutenberg.

Leitão parecia estar com bom fulgor e foi buscar dois sprints seguidos, antes de ter a sagacidade de entrar num grupo forte, numa aliança com Benjamin Thomas, e dar mais uma volta de avanço.

A medalha estava “no bolso”, restava saber qual. Quando Thomas caiu, logo a seguir, parecia que ia haver ouro, mas o ciclista levantou-se e pôde regressar, depois de Leitão esperar.

Passou a ser uma corrida a dois, com dez voltas para o fim, com Thomas e Leitão em luta directa pelo ouro. Não deu para tanto, mas deu para prata.

E Leitão, disse no final, preferiu ser homem que abdicou de uma possível medalha de ouro em vez de a ganhar com contribuição de uma queda alheia. "Fiz questão de saber que ele estava bem e que poderíamos discutir o ouro de forma justa. Ele teve um azar. Seria injusto ele perder o ouro daquela forma. Quis ter a certeza de que ele voltava e que estava bem. Na minha consciência fiquei aliviado quando soube que ele estava OK e poderíamos continuar a nossa batalha. Foi o mais justo”.

Leitão apontou ainda que “o francês estava mais forte e não havia nada a fazer”, num misto de resignação com a perda do ouro e orgulho pela conquista da prata.

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