O movimento “boy sober” é mais do que celibato voluntário

É a temporada do celibato — mas nem toda a gente lhe está a chamar isso.

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Hope Woodard faz parte do movimento "boy sober" Joseph Ross

Vamos falar sobre não fazer sexo.

Algumas das celebridades mais sexy não estão a fazer. Julia Fox, Lenny Kravitz e Khloé Kardashian disseram estar a fazer celibato nos últimos meses.

São tantas as mulheres que parecem estar a parar de fazer sexo (ou, pelo menos, a procurar), que, em Maio, a aplicação de encontros Bumble lançou uma campanha anti-celibato. Lia-se: “Não deverás parar de ter encontros e tornar-te numa freira.” (Devido à intensa reacção negativa, a campanha viveu pouco tempo. O Bumble acabou por admitir que tinha cometido “um erro”.)

Nem mesmo as altas temperaturas podem mudar o cenário. Em Junho, a New York Magazine proclamou “um Verão sem sexo”. O diagnóstico: “As mulheres estão fartas de namorar”, declarou a Cosmopolitan UK.

É a temporada do celibato – mas nem toda a gente lhe está a chamar isso. As mais jovens estão a chamar-lhe “boy sober” (em português significa algo como “abstinência de rapazes”).

À primeira vista, a abstinência de rapazes pode não parecer mais do que jargão de namoro da geração Z – o New York Times considerou o termo uma nova identidade do celibato.

Mas ser “boy sober” é muito mais do que simplesmente fazer abstinência de sexo, diz quem o praticou. Nem é sobre atribuição de culpa aos homens pelos horrores dos namoros actuais, que nos sugam a alma.

Ao canalizar a cada vez mais popular linguagem de “sobriedade” (e a sua associação ao bem-estar e auto-ajuda), a abstinência de rapazes ajuda a perceber o porquê da procura por determinados tipos de parceiros ou cair em certos comportamentos, diz quem o adopta.

Trata-se de voltar a rever as prioridades de tempo e atenção, de se afastar do interminável swiping e das mensagens descomprometidas e canalizar esse tempo e atenção para actividades mais satisfatórias. É também sobre responsabilizar-se pelo próprio comportamento errado. Sobre curar o relacionamento com... relacionamentos.

Hope Woodard tem reservas em relação à palavra “celibato”. Evoca as sessões bíblicas que aconteciam na igreja da sua cidade natal, no Tennesse, todas as quartas-feiras; lembra-a também do caderno onde confessou, aos 13 anos, ter feito sexo (“peço imensa desculpa”, escreveu); do nó no fundo da garganta. O “celibato” é a torradeira que decorou para um trabalho da igreja – com a professora a avisá-la para a manter limpa e nova: “Não deixes que ninguém use a tua torradeira.”

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“O que adorei no ‘boy sober’ foi não ter bagagem. Era uma expressão nova, moderna e quase caricata.” Joseph Ross

“A palavra ‘celibato’ não me empodera. Dá-me ideia de uma espécie de cinto de castidade. De cultura puritana”, contou Woodard numa recente tarde de Verão. Encontrou no sexo e na bebida uma forma de lidar com a separação da família. Ao longo dos anos, a teia de vergonha e escape continuaram a caracterizar a sua relação com o sexo e homens, disse Woodard – ambos se tinham tornado num “vício”.

A gota de água foi no passado Outono. Woodard estava a sofrer devido à sua “situationship” unilateral (uma situationship é uma relação entre duas pessoas que são mais do que amigos, mas também não são namorados) com um rapaz que vivia em Londres. Tinha magoado um ex-namorado com quem tinha uma relação que acabava e começava várias vezes, depois de ter partilhado detalhes da sua vida amorosa no TikTok. Ao mesmo tempo, estava a ajudar a mãe a cuidar da avó que, por causa da demência, estava constantemente a enviar mensagens ao avô – já falecido.

“A minha mãe tenta ajudá-la e ela grita ‘não preciso de ninguém que tome conta de mim, só de um homem’”, conta Woordard, de 28 anos. Tem medo que lhe esteja destinado o mesmo caminho. “E eu estava tipo, acho que estou a estragar a minha vida com o sexo e a rotina de dating. E também ao não cuidar das pessoas que digo amar e preocupar-me”, afirma. Era a vilã da sua própria história.

Woodard partilhou os seus medos com a irmã, que lhe apresentou o termo “boy sober”. Entusiasticamente, adoptou-o. A expressão relembra-a do ano em que deixou de beber: “Mudou a minha vida. Foi a primeira vez que participei num microfone aberto. Foi a primeira vez que consegui, realmente, conhecer-me.”

Nas semanas seguintes, anunciou no TikTok que ia fazer abstinência de rapazes, e depois partilhou as regras que tinha estabelecido: nada de aplicações de encontros, nada de encontros, nada de ex-namorados, nada de encontros casuais. (Uma adenda posterior: o autoprazer estava permitido.)

“O que adorei no ‘boy sober’ foi não ter bagagem. Era uma expressão nova, moderna e quase caricata.”

A sobriedade não costumava ser tão apelativa, recorda Ruby Warrington, autora do livro de 2018 Sober Curious. Pela associação ao alcoolismo e vício, o estigma tomou conta da expressão: se vais ficar sóbrio, é porque eras incapaz de moderar o quanto bebias.

“As únicas expressões que tínhamos para descrever uma relação pouco saudável com o álcool eram ‘vício’, ‘alcoolismo’ ou ‘alcoólico’. E esses termos não eram aplicáveis à vasta maioria de pessoas que estavam a questionar os seus hábitos”, explica Warrington.

Assim como o termo “sober curious” (em tradução literal, curioso pela sobriedade) oferecia uma alternativa menos crítica para as pessoas que querem questionar a sua relação com o álcool, Warrington vê a expressão “boy sober” como algo mais coloquial, uma forma “mais humana” de falar sobre as dificuldades das pessoas com o sexo e os relacionamentos.

“Ter uma expressão como esta permite que as pessoas se abram e se sintam mais confortáveis a falar sobre alguns destes assuntos mais profundos”, salienta Warrington.

Percorrer as publicações nas redes sociais com a hashtag #boysober, permite ver as abordagens vastas e maleáveis que existem. Homens queer e mulheres estão a usar o termo. Bem como as mulheres heterossexuais que desistiram de namoros, e mulheres que querem fazer sexo, mas nunca fizeram. Os homens heterossexuais tentaram responder com o movimento “girl sober” (mas não pegou).

Jasper Bickers, produtor e músico de 21 anos, escreveu recentemente uma música chamada “boy sober”, que é também o título do seu EP, e que trata de temas relacionados com o fim de uma relação romântica. “Queria, pelo menos, deixar a ideia de que havia uma luz ao fundo do túnel”, conta. Acredita que o refrão, que diz “maybe I’ll go boy sober” (talvez faça abstinência de rapazes), aponta para essa luz.

E ele fez abstinência durante o processo de fazer o álbum? Sim. Não teria sido capaz de terminar o álbum de outra forma, refere. Escreveu uma música “todos os dias” e aprendeu a produzir. “Isso ajudou-me a lidar com a perda que estava a sentir.”

Para Alexis Doss, coach pessoal e de negócios, com tendência para “tough love”, fazer abstinência foi uma oportunidade para se validar fora de um relacionamento romântico. “Quero que a minha relação comigo seja tão forte que qualquer homem que queira competir comigo tenha de se esforçar”, escreveu Doss no diário.

Phatima Kabia fez um período de abstinência no ano de caloira na Alabama A&M. Aos 18 anos, Kabia trocou os encontros românticos de estudo e as festas de engate por aguarelas e crochê.

Acabada de sair de um secundário que sente que ultrapassou os seus limites, Kabia queria ser cautelosa em relação aos encontros casuais que muitos dos colegas têm durante a experiência universitária. Ao invés disso, Kabia queria reconectar-se com a sua “criança interior”, que sentia ter desapontado.

Em criança, “adorava ser criativa”. “Queria pegar naquelas coisas que me davam prazer quando eu era mais nova e trazê-las de volta à minha vida.”

Quando Christy Nguyen, veterinária e criadora de conteúdos de 26 anos, começou a fazer abstinência de sexo, percebeu quanto estava a priorizar o conforto das outras pessoas. Quando foi sozinha jantar a um restaurante com o diário nas mãos, preocupou-se se estaria a deixar os funcionários nervosos – e se pensassem que era crítica gastronómica?

“Estava a pensar nos sentimentos deles”, observa. Fazer essa abstinência ajudou-a a sentir-se bem com “ocupar espaço”. Ainda assim, quando publicou um vídeo sobre estar “boy sober”, recebeu comentários ofensivos de estranhos – sobretudo homens. Disseram-lhe: “Só vais fazer abstinência porque não consegues arranjar um homem” ou “Diverte-te a viver sozinha e a morrer junto dos teus gatos”.

Histórias de amor azedas são tão antigas como o tempo – ou, pelo menos, a nossa capacidade de as contar. Ainda assim, para muitos jovens namorar parece ter atingido novos níveis de toxicidade.

A tecnologia expandiu as nossas opções de parceiros. Mas, com isso, veio também a perda de sentido de responsabilidade e a normalização de mau comportamento, dizem alguns jovens. Namorar é agora um mundo de ghosting e situationships, breadcrumbing ("alimentar com migalhas", quando alguém finge interesse para manter a outra pessoa interessada) e lovebombing (bombardear de amor, pode ser um alerta para comportamentos tóxicos), catfishing e wokefishing (quando alguém finge ter determinadas visões políticas para atrair outra pessoa). A intimidade física também pode ser usada como pornografia de vingança.

No momento em que jovens adultos estão a questionar – e a afastar-se – de supostos rituais de passagem como beber demasiado, Warrington vê algo paralelo a acontecer na cultura do dating: “Há algo nisto que não parece certo. Não parece natural. Não é bom.”

Mudanças sísmicas na igualdade de género e nas dinâmicas de poder ao longo das últimas gerações tiveram também impactos no dating. Nos Estados Unidos, mais mulheres têm cursos superiores do que homens. Mulheres jovens em cidades como Nova Iorque e Washington ganham mais do que os seus colegas homens. Como disse recentemente ao Atlantic Alice Evans, palestrante na King’s College London: “A procura por parceiros homens tem diminuído por causa do desenvolvimento económico e liberalização cultural.”

Em resposta, um grupo pequeno mas vocal de homens tem difamado mulheres por causa destes ganhos. Dizem, no Instagram e TikTok, que as mulheres se tornaram muito “ambiciosas” ou “materialistas”. Grupos de supremacia masculina, como incels (celibatários involuntários) e “Homens que seguem o seu caminho” instigam sentimentos de perseguição entre os seus membros. O influencer Andrew Tate construiu uma base de milhões de seguidores ao abraçar abertamente a misoginia. Pessoas como Elon Musk espalham a ideia de que as taxas de natalidade mais baixas (uma consequência do aumento de poder económico das mulheres) irão levar ao “colapso populacional”.

Woodard tem observado este desentendimento crescente entre homens e mulheres. Ao pesquisar “boy sober” no Reddit, encontrou homens a queixarem-se de que era um movimento separatista. “Os homens sentem que não estão a ter o que merecem e as mulheres estão literalmente a perder os seus direitos – e estamos todos a culpar-nos uns aos outros”, diz.

Nunca quis começar o “boy sober” para incitar outras mulheres a mandarem os homens “lixarem-se”, diz. Em vez disso, quer que seja uma ponte para as pessoas de diferentes géneros e espectros políticos falarem sobre sexo e relacionamentos.

Juntou uma série de espectáculos sobre o “boy sober” e convida humoristas a contarem as suas histórias sobre relacionamentos e dating, mas quer mudar um pouco a estrutura – e talvez convidar mais pessoas.

Desde que partilhou publicamente que não estava a fazer sexo, diz que toda a gente a aborda para contar o que está a acontecer na sua vida sexual. “E eu adoro ouvir”, garante. Falam do sexo que não estão a ter, se estavam com alguém e porquê. Uma rapariga que teve uma educação religiosa partilhou que nunca sentiu ter “a opção de não fazer sexo” enquanto namorava.

Também encontrou homens heterossexuais que estavam curiosos ou “se sentiam aliviados e achavam esta uma forma interessante de falarem sobre os seus hábitos de dating e sexo”. Quer tenha sido a linguagem sem julgamentos, o facto de ter partilhado que não estava a fazer sexo, ou ambos, “as pessoas baixaram a guarda”.

“Foi a primeira vez, até para mim, em que senti que ninguém tinha de fingir nada. Ninguém perde nada se não fizermos sexo ou tivermos encontros, ou o que quer que seja.”

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