Não há assim tanto a separar a moda da arte. É esta a premissa para a exposição Coco Chanel, Além da Moda, que se estreia em Portugal neste sábado, 20 de Julho, no Centro Cultural de Cascais.
Além de peças de vestuário da Chanel (mas não da sua fundadora), a mostra reúne obras de arte das vanguardas artísticas da Paris do século XX. “A moda agora pode parecer-nos frívola, mas a forma como esta mulher de origens tão humildes conseguiu criar este império com o seu talento é o que a torna tão atractiva”, declara a curadora da exposição, Maria Toral, ao PÚBLICO.
Gabrielle Chanel revolucionou a moda na década de 1920 com um grito de liberdade pelas mulheres — não só com a conhecida libertação do espartilho no vestuário, mas também, por exemplo, ao adicionar uma alça mais comprida às malas, o que permitia colocá-las a tiracolo com maior liberdade de movimentos. “Era uma mulher com grande capacidade de inovar e com um grande conhecimento da arte”, elogia a curadora, que assinala o papel de Chanel enquanto “musa e mecenas”.
Ao mesmo tempo que Chanel fazia uma revolução na moda, outros contemporâneos mudavam a arte: do cubismo ao dadaísmo e ao surrealismo. É nesse diálogo, raramente cruzado, que a exposição se insere. E Maria Toral detalha: “Pomos em contexto a relação que Gabrielle Chanel teve com o escultor Apel.les Fenosa ou com Josep María Sert, que era casado com uma musa do século XX, Roussadana Mdivani, que ensinou a Chanel a importância da arte.”
Neste diálogo, Chanel é inseparável de Salvador Dalí, que, aliás, desenhou o icónico frasco do perfume Chanel N.º 5, criado em 1921. “O que queremos é realmente mostrar o resultado da relação de Coco Chanel com os artistas através das obras. E, no final da visita, entende-se perfeitamente a relação que existe entre tudo, e como a criadora esbateu as fronteiras da moda”, assevera a curadora, que montou a exposição pela primeira vez em Salamanca, Espanha, em 2015. Desde então, já expôs em Andorra (2017) e no Panamá (2018).
Coco Chanel, Além da Moda inclui algumas das fotografias pessoais de Coco Chanel pela lente de André Kertesz, Man Ray e François Kollar — até uns retratos captados no lendário apartamento na suíte 302 do Hotel Ritz, em Paris, onde viveu entre 1937 e a data da sua morte, em 1971. As imagens vividas convivem lado a lado com pinturas de Tamara de Lempicka, Óscar Domínguez. Josep María Sert e Salvador Dalí, além de algumas litografias de Pablo Picasso. Outras obras não são contemporâneas de Chanel como é caso da pop art de Andy Wharhol, que reinterpretou o Chanel N.º5 em 1980.
Roupa, mas não de Coco Chanel
Sendo uma exposição de moda, estão expostas, claro, peças de vestuário, incluindo das criadoras com quem Chanel dividia Paris, como Elsa Schiaparelli e Madeleine Vionnet. Da maison Chanel estão expostos acessórios, carteiras e os clássicos sapatos bicolores, além de vestidos e fatos em tweed, apanágio da casa de luxo. “Todas as peças são de colecções privadas. Nenhuma é da época da Chanel porque essas pertencem aos arquivos e não conseguimos aceder-lhes”, lamenta Maria Toral, que destaca as peças com a emblemática camélia, a flor favorita da criadora francesa e que se tornou um dos códigos da marca.
Apesar de não haver qualquer ligação oficial à marca, a exposição em Portugal acontece num período particularmente conturbado para a Chanel, que está sem director criativo desde a saída de Virginie Viard. Até à sua morte, foi Coco Chanel a desenhar as colecções, preparando um legado que foi continuado pelo muito aclamado Karl Largerfeld até 2019, ano em que morreu. Agora, o futuro da casa está em aberto com nomes como o de Pierpaolo Piccioli (ex-Valentino) ou de Sarah Burton (ex-Alexander McQueen) a imporem-se como concorrentes para a liderança criativa.
Mas a mostra não se propõe propriamente a analisar a história conturbada da casa de luxo, nem da própria Gabrielle Chanel, que esteve afastada da moda durante algumas décadas depois de ter colaborado com os nazis na Paris ocupada. O seu legado criativo suplantou qualquer polémica e regressou à moda no início dos anos 1950 graças a Pierre Wertheimer, proprietário da empresa desde que assinaram um acordo para a comercialização dos perfumes em 1924. Hoje, a casa, detida pelos irmãos Wertheimer, é uma das poucas independentes na indústria controlada por conglomerados de luxo.
Independentemente do contexto, Maria Toral convida não só entusiastas de moda para a exposição, mas também “todos os que gostam de arte”. A curadora espanhola desdobra-se em elogios aos espaços da Fundação D. Luís I, enquadrada no Bairro dos Museus, que é cenário para a mostra apoiada pela Câmara Municipal de Cascais. “Têm muita sorte de ter tanta oferta cultural em Cascais, especialmente para mim, que sou grande admiradora de Paula Rego”, declara.
E termina com um lembrete para levar no bolso antes da visita: “A moda não é um elemento separado da sociedade e da arte.” Coco Chanel, Além da Moda fica patente de 20 de Julho a 3 de Novembro no Centro Cultural de Cascais. A entrada custa 5 euros.