Alec Baldwin quebrou “regras fundamentais” de manuseamento de armas no dia do tiro que atingiu mortalmente Halyna Hutchins, directora de fotografia de Rust, em 2021, disse uma procuradora do estado norte-americano do Novo México, nesta quarta-feira, que marcou o primeiro dia de julgamento do actor. O advogado de defesa, por seu turno, declarou que Baldwin foi vítima da incúria dos especialistas em segurança no local das filmagens, que já foram condenados no caso.
Baldwin, de 66 anos, que está a ser julgado no primeiro tiroteio fatal em Hollywood em três décadas, tomou notas na mesa de defesa e ouviu calmamente as arguições iniciais do seu julgamento por homicídio involuntário. A mulher de Baldwin, Hilaria Baldwin, sentou-se na segunda fila da galeria reservada ao público, com Stephen Baldwin, irmão de Alec e também actor, à sua frente.
Um júri do Novo México, composto por 12 jurados e quatro suplentes — 11 mulheres e cinco homens — ouviu a procuradora Erlinda Johnson argumentar que Baldwin não teve em conta a segurança durante as filmagens do filme de baixo orçamento, antes de apontar uma arma a Hutchins durante um ensaio, engatilhá-la e premir o gatilho enquanto preparavam uma filmagem num cenário a sudoeste de Santa Fé.
“As provas mostrarão que quem brincou ao faz-de-conta com uma arma verdadeira e violou as regras fundamentais da segurança das armas de fogo foi o arguido, Alexander Baldwin”, afirmou Johnson.
Já o advogado de Baldwin, Alex Spiro, que já defendeu Elon Musk, Megan Thee Stallion ou Jay-Z, preferiu apontar o dedo à armeira de Rust, Hannah Gutierrez — responsável pela segurança das armas — e para o primeiro assistente de realização, Dave Halls — responsável pela segurança geral do cenário. Ambos foram condenados pelo tiroteio (Halls a seis meses de pena suspensa e Gutierrez a 18 meses de prisão efectiva), e Spiro disse que nenhum dos dois verificou as munições da arma para garantir que era segura para Baldwin usar. “Havia pessoas responsáveis pela segurança das armas de fogo, mas o actor Alec Baldwin não cometeu qualquer crime”, disse Spiro.
Hutchins morreu e o realizador Joel Souza ficou ferido quando o revólver que Baldwin empunhava disparou uma bala real, inadvertidamente carregada por Gutierrez. Mas Baldwin argumentou que a arma simplesmente “disparou”. E, numa entrevista à ABC News, dois meses depois do incidente, Baldwin disse a George Stephanopoulos que não tinha premido o gatilho. Um teste efectuado pelo FBI em 2022 revelou que a arma estava em condições normais de funcionamento e que não dispararia se o gatilho não fosse premido.
Mas Spiro não pretende insistir nessa tese e preferiu declarar que, mesmo que Baldwin tivesse premido o gatilho, isso não era um crime. Afirmou que cabia a Gutierrez e Halls permitir que um actor “acenasse, apontasse e puxasse o gatilho, como fazem os actores”.
“Num cenário de cinema, é permitido premir o gatilho, por isso, mesmo que ele tenha premido o gatilho intencionalmente, como disseram os procuradores, isso não significa que tenha cometido um homicídio”, disse Spiro.
Os procuradores estaduais acusaram Baldwin de homicídio involuntário em Janeiro de 2022. Retiraram as acusações três meses depois, depois de os advogados de Baldwin terem apresentado evidências fotográficas de que a arma fora modificada, argumentando que esta dispararia mais facilmente e reforçando o argumento de uma descarga acidental. No entanto, depois de um perito independente em armas de fogo ter confirmado o estudo do FBI, os procuradores convocaram um grande júri para restabelecer a acusação contra Baldwin. E o que está em causa não é tanto o acto em si, mas o facto de o actor poder ter mentido sobre o que aconteceu.
O problema, tanto para a acusação como para a defesa, é que as perícias do FBI inutilizaram a arma, impedindo uma nova investigação. A acusação não tem, assim, a arma nas mesmas condições do dia do incidente para mostrar aos jurados, ao passo que os advogados de Baldwin argumentarão que a destruição da arma os impediu de provar que a arma foi modificada.
Sem precedentes
O julgamento não tem precedentes na história dos Estados Unidos, ao responsabilizar criminalmente um actor por uma morte causada por arma de fogo durante as filmagens. E, para o sindicato Screen Actors Guild-American Federation of Television and Radio Artists, nenhum actor tem entre as suas responsabilidades verificar a presença de balas verdadeiras numa arma usada em cenário.
Em acidentes anteriores, não houve quaisquer procedimentos criminais, mas há uma grande diferença: é que os anteriores tiroteios fatais em estúdio — dos actores Brandon Lee, em 1993, durante as filmagens de O Corvo, obra de culto de Alex Proyas, e de Jon-Erik Hexum, em 1984 — não envolveram munições activas.
No primeiro caso, Michael Massee, no papel de Funboy, atingiu Lee, que viria a morrer no hospital. Uma investigação concluiu que se tratou de um acidente: parte de uma munição falsa tinha ficado acidentalmente alojada no cano da arma após uma utilização anterior; o disparo de pólvora seca durante a cena fatal foi suficiente para projectá-la contra Lee, vitimando-o mortalmente.
O segundo ocorreu quando o próprio Jon-Erik Hexum encostou o cano à têmpora e, numa brincadeira com os colegas, disse que estava tão farto de esperar que estava capaz de se matar. Foi então que premiu o gatilho da Magnum 44, que tinha usado para filmar uma cena da série Cover Up e que julgava estar sem munições. E estava: o problema é que o disparo soltou o plástico que cobria a pólvora usada para simular o tiro cénico e o impacto fez com que um estilhaço ósseo penetrasse no seu cérebro, provocando uma hemorragia. Hexum teve declarada a morte cerebral seis dias depois.