Como se faz um amigo?

Não me agrada a ideia de crescer e deixar de fazer amigos. Acho triste. E claro que a finitude da vida pode tornar complicada a matemática das amizades, mas deveríamos batalhar sempre pelo seu lugar.

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"Na adolescência, abastecemos de amizade em tardes compridas" Thomas Boehi/pexels
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Converso com uma amiga de infância sobre a educadora do seu filho, na creche. A minha amiga diz-me que ela é muito querida, tão fixe que sente que adoraria ser amiga dela. Rimos a imaginar essa situação, a pensar como seria se ela tentasse forçar uma amizade com a educadora. Como seria a melhor forma? Convidá-la para tomar um café? Para ir ao cinema? Pareceu-nos absurdo.

Como é que se fazem amigos? Esta parece uma pergunta de loser total. Mas tenho pensado nisso. A maioria dos meus amigos são de infância. Agradeço por ter alguém que se lembra de mim de aparelho, e que sabe a cronologia da minha vida, às vezes, melhor do que eu. Por outro lado, gostaria que alguém me conhecesse a partir de agora. A partir deste ponto, sem ter sido testemunha ocular de todas as minhas vergonhas.

Tenho saudades de fazer amigos. Como é que alguém vira amigo? Que momento é esse?

Uma criança vai a saltitar perguntar a outra se quer brincar com ela. Um adulto que faça o mesmo mete-nos medo. As pessoas não se encontram para fazer amigos como se encontram para a possibilidade de uma relação romântica. Deixamos os amigos que já temos estabilizados e congelados, e não é fácil angariar alguém novo.

Não me agrada a ideia de crescer e deixar de fazer amigos. Acho triste. E claro que a finitude da vida pode tornar complicada a matemática das amizades, mas deveríamos batalhar sempre pelo seu lugar.

Na adolescência, abastecemos de amizade em tardes compridas, em esplanadas e muros, para agora andarmos na reserva, sempre a trocar mensagens para tentar acertar agendas onde caiba um almoço num restaurante de pokes, que estranhamente acaba a assemelhar-se a uma reunião de horário rígido e pautas improváveis, como separações, jejum intermitente, cirurgias plásticas alheias mal concretizadas e desabafos cronometrados.

Claro, vamos conhecendo muitas pessoas. No meu caso, dou até informação a mais a totais desconhecidos, e talvez seja isso que os assuste a ponto de não chegarem a ficar meus amigos. Estamos cheios de pessoas com quem falamos a toda a hora, pelo WhatsApp ou Instagram. E sim, as casas de banho de bares são locais de partilha instantânea profunda. Mas quando é que se passa dessas partilhas sedimentadas para uma coisa mais fixa? Como é que alguém ascende à categoria de amigo? Diria que não se pode forçar. Ao mesmo tempo, se não houver esse esforço da parte de alguém, ninguém faz amigos. Será que é, exactamente, forçando? Penso nas poucas amizades recentes que fiz, e todas implicaram uma certa insistência.

Na infância e adolescência, a partilha de um espaço, um espaço comum forçado, criava amizades. O que aparenta ser natural, na verdade, é resultado de um confinamento socialmente imposto a um mesmo recinto. O espaço é produtor de amizades: a sala de aula, a escola, a faculdade, uma praia nas férias. Hoje, no espaço virtual, ouço falar da liquidez dos encontros amorosos, da sua volatilidade. Mas o mesmo acontece nas amizades. Fica difícil uma amizade que cole e não descole logo.

Há também uma desconfiança. É tão incomum um adulto tentar fazer um amigo, que se vê na cara da outra pessoa uma suspeita: “O que é que este quer?” Assumimos as más intenções, ou as intenções mercantis, não nos passa pela cabeça que alguém se queira aproximar de nós sem um objectivo. Num mundo em que o oportunismo passou a ser aceite e incentivado, e em que foi até gourmetizado, passando a chamar-se networking, tornou-se habitual assumir-se um carácter utilitário nas aproximações. Só se ouve falar nas “win win situations”. E, por isso, uma aproximação sem um fim, uma aproximação que quer apenas ser meio, parece absurda. Devíamos lutar mais pelas “lose lose situations”. Alguém que queira apenas descontrair, beber sangria, rir, perder tempo, não ganhar nada.

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