Portugal entre a tentação e a obrigação de servir Ronaldo

Portugal sofreu mais do que o necessário para entrar a ganhar no Europeu. Não tivesse sido Hranac e teria sido uma estreia aziaga para uma selecção de topo.

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Hranac esteve envolvido nos dois golos de Portugal, em Leipzig Karina Hessland / REUTERS
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Dispor de um íman com a capacidade de atracção de Cristiano Ronaldo pode ter um de dois efeitos: condicionar apenas a manobra do adversário para dela se tirar partido colectivamente, ou condicionar a ideia de jogo da própria equipa, especialmente no momento da tomada de decisão com bola. Se a República Checa sobreviveu nesta terça-feira, em Leipzig, até aos 90 minutos, foi porque Portugal viveu no segundo paradigma. Valeram dois erros do adversário, em zona capital, para facilitarem uma entrada tremida mas vitoriosa (2-1) no Euro 2024.

Que o resultado não deixe dúvidas, esta selecção portuguesa é inquestionavelmente melhor e mais dotada do que a checa. E se não foi capaz de o mostrar em toda a sua dimensão foi essencialmente por demérito próprio, porque Roberto Martínez desenhou um guião que usou e abusou da exploração da largura e, assim, facilitou a abordagem defensiva aos checos, com três centrais fortes no jogo aéreo e ajudas permanentes nas laterais.

Mas vamos por partes. As duas selecções entraram em cena com um sistema idêntico (mais um 3x5x2 dos checos e um 3x4x3 português, que foi quase sempre um 3x2x5 em momento ofensivo) e uma novidade apenas, com dedo de Roberto Martínez: Nuno Mendes. O lateral aproveitou parte das valências que já mostrou no PSG e ocupou o lado esquerdo do trio de centrais, junto a Pepe e Ruben Dias, deixando a ala para João Cancelo e Rafael Leão.

Os 20 minutos iniciais trouxeram a tal versão ousada que Roberto Martínez previra do adversário, com dois médios (Provod e Sulc) a vigiarem Bruno Fernandes e Vitinha e a impedirem que recebessem a bola entre linhas; mas também com quatro elementos, em momentos de posse, estacionados sobre a última linha portuguesa, para forçar os laterais contrários a baixarem. Uma solução que comportava algum perigo, porque os médios checos eram atraídos para fora do seu habitat, libertando espaço nas costas.

Pois bem, esse risco foi aumentando à medida que Portugal foi encontrando mais linhas de passe na primeira fase de construção, preferencialmente pela esquerda, e em função do desgaste físico que os checos, com pouca bola, iam acumulando. E assim que se viu em apuros, o seleccionador, Ivan Hasek, baixou as linhas e o jogo passou a ser de um sentido só, uma espécie de exercício de resistência para os checos.

Acontece que esse exercício foi quase sempre facilitado pela previsibilidade do plano português. João Cancelo jogou irremediavelmente em terrenos interiores (e se é para habitar o espaço entre linhas, haverá outros candidatos ao lugar, a começar por João Félix), para que Rafael Leão e Nuno Mendes, com bola, pudessem dar amplitude. Em teoria, fazia sentido. Mas fazia sentido se, a estas duas dimensões, se acrescentasse a exploração do corredor central, algo que raramente aconteceu.

A superioridade portuguesa era tão evidente que, ainda assim, se criaram ocasiões suficientes até ao intervalo para desbloquear o marcador: cabeceamento de Ronaldo aos 8’, remate de Bruno Fernandes aos 23’, Rafael Leão a chegar ligeiramente atrasado a uma emenda aos 25’, combinação a três para finalização de Vitinha na área aos 33’, e remate de Ronaldo à meia-volta para defesa de Stanek aos 45’.

Muito volume para pouca definição. Especialmente porque os criativos portugueses caíam recorrentemente na tentação de procurar Ronaldo em zonas de finalização, forçando passes e solicitações que contrariavam o que o momento pedia. A meia distância de Vitinha e Bruno Fernandes, os desequilíbrios do pé esquerdo de Bernardo Silva, os raides mais objectivos de Rafael Leão estavam condenados a terminar em Ronaldo. E se boa parte da atenção dos centrais checos estava direccionada para o avançado...

Sem alterações de fundo após o intervalo, o domínio português acentuou-se um pouco mais e quando Ivan Hasek decidiu reagir saiu-lhe a sorte grande e a terminação. Inteligentemente, abdicou de um avançado para reforçar o meio-campo e, como brinde, saiu-lhe um golo improvável na rifa, com um remate imparável de Lukas Provod, que aproveitou o atraso dos médios adversários na pressão.

Para Portugal, era uma mosca acabada de cair no caldo verde. Mas havia tempo, qualidade e quantidade (de soluções no banco) para reagir. E havia um central em dificuldades no lado contrário. Aos 63’, uma pequena revolução: saiu Rafael Leão e entrou Diogo Jota, Nuno Mendes passou para a ala e Gonçalo Inácio (substituiu Diogo Dalot) para terceiro central, com João Cancelo a migrar para a direita.

Terá ajudado um pouco a baralhar as marcações, mas a maior ajuda veio de Robin Hranac, jogador do Viktoria Plzen, que transformou uma assistência de cabeça de Nuno Mendes no 1-1 (69’), a meias com o guarda-redes. O golo aconteceu na baliza “suportada” pelos adeptos portugueses e a festa foi rija, apenas suplantada pela reacção ao cabeceamento bem-sucedido de Diogo Jota, para um 2-1 que não chegou a confirmar-se — Ronaldo, que antes cabeceara ao poste, estava em fora-de-jogo.

Nessa altura, a República Checa tentava explorar as saídas rápidas para o ataque e ainda obrigou o pronto-socorro Ruben Dias a entrar em acção. Mas quem fechou a história do jogo foram outros três elementos: Pedro Neto, que saiu do banco par fazer a assistência, Francisco Conceição, que entrou para concluir a jogada (90+2’) e, claro, Robin Hranac, que se atrapalhou na tentativa de cortar a bola e estendeu a passadeira para um triunfo por linhas tortas.

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