Quando tudo lembra alguém que partiu
A pergunta de uma criança repete-se a cada plano do livro e é a mesma que lhe dá título: “Quando é que a Hadda volta?”
A memória de Hadda invade a vida de um miúdo que se adivinha ser seu neto. Desde logo, pela dedicatória da autora e ilustradora, Anne Herbauts: “Para Maknine e a sua maravilhosa avó.”
Tudo a traz à memória daquela criança de que não chegamos a saber o nome e que só vislumbramos nas molduras com fotografias nas paredes, mesas e estantes da casa.
Também Hadda ali se fixou para sempre, em imagens felizes e de momentos importantes, como é próprio dos álbuns de família e de quem fotografa os que ama e consigo convivem.
Raramente, são registados os momentos tristes e de conflito. Ainda bem. Talvez.
De cada vez que a criança se pergunta quando volta Hadda, surge uma resposta, como se a avó ali estivesse presente a querer sossegá-lo sempre que o peixe no prato, a porta entreaberta, a roupa a secar, o jornal e os brinquedos sobre a mesa ou os óculos esquecidos junto à fruteira o fazem ansiar pelo seu regresso.
A pergunta “quando é que a Hadda volta?” transforma-se num diálogo poético. “Mas eu estou aqui rapaz/ Ouve, tens todo o meu país”; “Mas eu estou aqui, meu querido/ Sente, tens o meu sol”; “Mas eu estou aqui, minha estrela/ Olha, tens o meu ânimo.”
É comum dizer-se que não se morre enquanto houver alguém que de nós tenha memória. Sobre os escritores e artistas afirma-se que continuam vivos através da sua obra. Tudo para suavizar a perda, a ausência.
Ideia que nos reenvia para uma afirmação do escritor Álvaro Magalhães sobre o seu amigo Manuel António Pina: “Eu e os amigos queríamos era o Pina. Ele é que nos faz falta, ele mesmo. Às vezes, penso que ainda vai chegar. Está só atrasado” (“Era e não era uma vez o senhor Pina”, PÚBLICO de 19 de Outubro de 2013).
O mesmo sentirá este e outros netos, imersos nos espaços e tempos partilhados com os mais velhos que partem sempre demasiado cedo.
Anne Herbauts, que escreve e ilustra este poema, assim se lhe pode chamar, nasceu em Bruxelas e aí estudou Ilustração e Banda Desenhada, na Academia de Belas-Artes. Já assinou mais de 40 livros ilustrados para todas as idades. “No seu trabalho, explora o espaço entre as palavras e as imagens”, lê-se na divulgação da editora. Por isso é tão fluido e cheio de “brancos” este livro. O Governo belga atribuiu-lhe o Prémio trienal de Literatura Infantil relativo aos anos 2021-2023.
“Quando é que a Hadda volta?” — “Mas eu estou aqui, meu chapim/ Ouve, tens em ti os nossos risos (…) Aprende, tens as minhas asas.”
Não é pouco, há-de voar.