O que preciso saber antes de ser mãe? Eis o guia para a pré-concepção, mas sem pressão
Antes de deixar a contracepção, é importante visitar o médico de família ou ginecologista. Depois, tenha atenção à alimentação e à saúde mental.
Nasce um bebé, nasce uma mãe? É assim ou este é apenas mais um mito? A maternidade pode e deve ser preparada ainda antes da gravidez, dizem os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, a propósito do Dia da Mãe que se assinala neste domingo. Da alimentação, aos exames médicos, sem esquecer a saúde mental, a viagem pela aventura de ser mãe começa meses antes de haver um embrião.
Quero ser mãe. Só tenho de começar a tentar ou devo ir ao médico antes de engravidar?
É agora. Decidiu que quer ser mãe, mas nem sabe por onde começar. É normal, reconhece a obstetra Mariana Torres. Antes de dar qualquer passo além desta decisão, é importante marcar uma consulta com o médico de família ou ginecologista. “Antes de deixar a contracepção, toda a gente deve fazer uma consulta para perceber se existe alguma condição de saúde ou do estilo de vida que deva ser melhorada para potenciar o desfecho da gravidez”, aconselha a autora de O que é que se Passa Aqui Dentro?.
Nesta consulta, explica a médica ao PÚBLICO, faz-se uma avaliação geral da saúde física e mental da mulher, com a prescrição de algumas análises e possíveis exames, além de uma conversa detalhada sobre o estilo de vida e histórico familiar (tanto da futura mãe, como do pai). “Há muitas coisas que podemos melhorar que terão impacto da gravidez. Quanto mais saudável a mulher estiver quando começar a gravidez, melhor desfecho terá”, observa.
Se as mulheres tiveram doenças crónicas, que exijam a toma de medicação recorrente, a abordagem deverá ser multidisciplinar com o especialista da patologia em questão e poderá ser necessário substituir alguns comprimidos. Mariana Torres exemplifica: “Depois há outras coisas como uma possível anemia, hipertensão ou problemas da tiróide que precisam mesmo ser controlados antes da gravidez.”
Quanto mais cedo for feito este planeamento melhor, idealmente com dois a três meses de antecipação. “Devemos actualizar o rastreio do cancro do colo de útero e testar para possíveis infecções sexualmente transmissíveis”, detalha a obstetra. Descartados quaisquer problemas, é hora de deixar a contracepção e iniciar a suplementação generalizada, como o ácido fólico, importante para garantir a boa formação do feto.
Quanto tempo antes devo deixar de fumar ou de beber? E o pai também?
Além das condições médicas que podem influenciar a gravidez, parte da responsabilidade recai no estilo de vida, lembra Mariana Torres. O consumo de tabaco é um dos principais factores de risco, tanto na mulher, como no homem, “uma vez que altera a qualidade do esperma e pode influenciar a fertilidade”.
Como tal, deixar de fumar só traz vantagens para o casal e a mudança torna-se mais fácil quando é feita a dois. “Começar a planear uma gravidez é uma motivação extra para iniciar uma vida mais saudável e quanto antes o fizermos, mais vantagens”, aconselha a obstetra. Mais: se o pai continuar a fumar, o fumo passivo também poderá afectar o bebé.
Quanto ao álcool, Mariana Torres reconhece que algumas mulheres têm dúvida se devem deixar de consumir bebidas alcoólicas assim que começam a tentar engravidar. Apesar de não existirem muitos estudos sobre o tema, a especialista lembra que “o álcool não tem benefícios em geral” para a saúde, mas considera que tal é “uma escolha individual”.
A nutricionista materno-infantil Ana Isabel Monteiro aconselha a que se deixe o consumo de álcool na fase da pré-concepção, tal como se deverá reduzir a ingestão diária de cafeína. Podem começar a ser aplicados os mesmos conselhos do que durante a gravidez, facilitando a transição. “Aconselham-se 200 a 300 mg de cafeína por dia, que seriam dois cafés expresso. Não sabemos até que ponto é segura a cafeína para o bebé”, refere.
Ademais, a cafeína também dificulta a absorção de ferro, importante na fase da pré-concepção. “Deve ser evitado o consumo de cafeína antes e após as refeições”, determina.
Tenho excesso de peso, tenho de emagrecer antes de ser mãe?
O peso é um dos factores mais “delicados” na pré-concepção, analisa Ana Isabel Monteiro. “Ter excesso de peso está associado a alguns problemas de saúde durante a gravidez, como diabetes gestacional, pré-eclampsia ou macrossomia [quando um bebé nasce com mais de quatro quilos]”, enumera. Contudo, lembra que, por vezes, esse peso a mais “não é uma escolha” e que não deve ser impedimento a uma gravidez.
Ou seja, o peso pode ser controlado ao longo da gravidez, com apoio de uma equipa multidisciplinar. “Idealmente”, considera a especialista, um estilo de vida saudável, com alimentação equilibrada ─ “sem processados” ─ e prática de exercício físico, já deve “vir de trás” e pode ser reforçado nesta fase. “A alimentação saudável também determina a qualidade dos espermatozóides”, lembra.
E a alimentação é um aliado para aumentar a fertilidade da mulher, através de nutrientes como o ferro ou o iodo, que podem ser reforçados graças ao que comemos. “O ácido fólico é sempre suplementado por prevenção, mas podemos reforçar com o consumo de leguminosas, folhas verdes, farinha de trigo ou cereais fortificados”, explica.
Para melhorar a absorção do ferro, também é útil “acompanhar a refeição com vitamina C”, acrescenta a nutricionista. “É igualmente interessante melhorar o aporte de ómega-3 e vitamina D, que se acredita terem vantagem na fertilidade”, aconselha Ana Isabel Monteiro, que acompanha grávidas de todo o país através de consultas online. “Existem alimentos reforçados com vitamina D que podem ser interessantes, como os cereais de pequeno-almoço, mas deve ter-se atenção ao açúcar adicionado. O pescado também parece ter algum teor vitamina D.”
Para a ómega-3, os conselhos são conhecidos: aumentar o consumo de pescado, como atum, cavala, salmão ou sardinha. Para as mulheres vegetarianas, a nutricionista propõe o consumo de sementes de chia ou óleo de linhaça. “Estas grávidas precisam de ter mais cuidados de forma geral, por exemplo ao nível da vitamina B12. É aconselhado um acompanhamento mais personalizado”, termina.
Tenho ansiedade e trabalho demais. Devo cuidar da minha saúde mental antes de ser mãe?
A saúde mental é dos tópicos abordados na consulta de pré-concepção, mas frequentemente menosprezado por futuros pais e mães. “Não se nasce mãe, aprende-se com a experiência, com os outros, com o bebé. Ainda que seja muito difícil preparar alguém para a paternidade, existem algumas recomendações que podemos dar”, contextualiza a psicóloga Ana Filipa Beato ao PÚBLICO.
Em primeiro lugar, é preciso deitar abaixo o fenómeno da “romantização da parentalidade”, avisa a especialista. “Existe uma tendência cultural de idealizar a experiência de ser pai e, especialmente, mãe, retratando-a de forma excessivamente positiva ou perfeita”, explica, argumentando que este cenário pode “criar expectativas irrealistas, fazendo com que algumas pessoas se sintam incapazes quando confrontadas com os desafios reais”.
Para evitar esta desilusão, é preciso baixar as expectativas, mas também não as deitar por terra. É que a maternidade “não é o fim de uma vida boa, mas uma transformação”, que correrá tanto melhor, quanto mais preparados estivermos. Como tal, é altura para reavaliar prioridades e aí entra a carga de trabalho. “Algumas mulheres optam por continuar a ritmo acelerado e isso pode ser totalmente viável, desde que haja um equilíbrio saudável entre o trabalho e vida pessoal”, opina a psicóloga.
Para esse equilíbrio, a estabilidade emocional é fulcral, já que se traduz na “capacidade de lidar com os altos e baixos da vida de forma saudável”. Muitas mulheres optam por iniciar a terapia nesta fase de pré-concepção e início da gravidez para se prepararem para os desafios que se seguem. “Sentem que têm problemas mal resolvidos ou experiências traumáticas que são importantes de serem trabalhadas, porque podem ressurgir de forma intensa durante este período.”
Ou seja, querer ser mãe é uma oportunidade para melhorar a saúde mental e Ana Filipa Beato coloca a tónica na prática do autocuidado. “Aconselho sempre que as mães também tirem um tempo para si mesmas, o que pode incluir actividades relaxantes, como meditação, ioga, leitura ou tomar um banho quente.”
Para reduzir a ansiedade, começar a “educar-nos e informar-nos sobre a gravidez, o parto, os cuidados com o bebé e desenvolvimento infantil” pode ser útil, mas sem que isso se torne uma obsessão. “O desconhecido pode ser assustador.”
Está a demorar. Quanto tempo é normal estar a tentar engravidar?
Preparada a base física e mental, é hora de deixar acontecer, mas sem pressão, pede a obstetra Mariana Torres. Depois de interrompida a contracepção, a especialista recorda que o ciclo menstrual vai regressar, mas “pode demorar” alguns meses. Como tal, o ideal é manter a vida sexual como habitual, monitorizando simultaneamente o ciclo menstrual. Até porque “a probabilidade de engravidar é inferior a 30% mesmo durante o período fértil”.
As mulheres que pretendam “optimizar as probabilidades de engravidar em cada ciclo” devem ter atenção aos dias da ovulação, que podem ser determinados através de alguns métodos como a temperatura basal ou com auxílio de testes de ovulação. “O período fértil são seis dias em cada ciclo menstrual. O dia da ovulação e os cinco dias antes, porque o espermatozóide pode sobreviver durante esse tempo”, explica.
É natural que, passados alguns meses, comecem a surgir preocupações, sobretudo motivadas pela pressão social: “Tendemos a só ouvir histórias de amigos a dizerem ‘engravidei à primeira’. Não gostamos de saber há quanto tempo estão a tentar e fica a ideia de que é habitual ser rápido. Mas não sabemos.”
E isso não é motivo de preocupação, descansa Mariana Torres. Só depois de um ano a tentar engravidar se faz uma “investigação mais detalhada” sobre a fertilidade do casal. Até lá, é desfrutar do processo, estando atento, e, qualquer dia, eis que aparece uma gravidez.