A campanha Beleza Real da Dove nasceu há 20 anos e o compromisso da marca mantém-se. Agora o alvo é a IA

Marca de higiene pessoal compromete-se a combater a ameaça à representação da beleza trazida pela inteligência artificial, contra a noção de beleza distorcida.

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A "Campanha pela Beleza Real" foi lançada em 2004 pela marca Dove DR
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Foi em 2004 que a Dove fez a sua primeira campanha apelando à auto-estima dos seus consumidores e à percepção que a verdadeira beleza é a real. Duas décadas depois, os desafios são maiores, admite Maria Matos, responsável pela Dove Portugal, fazendo referência ao uso “excessivo” de ferramentas de edição de imagem e, mais recentemente, à crescente utilização de imagens geradas por inteligência artificial (IA).

Por isso, ciente deste cenário, a marca compromete-se a não usar nas suas campanhas a IA para retratar as mulheres. “Olhando para o futuro, podemos afirmar que o nosso compromisso para os próximos 20 anos é nunca usar imagens de mulheres geradas por IA. E se, hoje, este compromisso não parece ser muito relevante, nós sabemos que irá ter muito impacto num futuro em que se estima que até 2025 90% do conteúdo online seja gerado por IA”, declara Maria Matos ao PÚBLICO.

Depois do primeiro anúncio em que eram mostrados corpos diferentes, dois anos mais tarde, a marca apostou em Evolution, uma campanha marcada por um vídeo de sensibilização, que exibia uma modelo que se submetia a um intenso processo de maquilhagem, estilização do cabelo e, por último, edição dos traços físicos através de um programa de computador, que a transfigurava em alguém completamente diferente. A campanha denunciava assim a representação deturpada da beleza pela indústria e pelos meios de comunicação social com a frase: “Não admira que a nossa percepção da beleza esteja distorcida.”

Maria Matos contextualiza que a trajectória para a redefinição da beleza pela marca teve início quando se percebeu que apenas 2% das mulheres se consideravam bonitas, “um número alarmante que espoletou a necessidade de redefinir a beleza [e] transformá-la numa fonte de confiança e não de ansiedade”, refere. Ainda em 2006, é lançada a campanha Dove Projecto pela Auto-estima, que só chega a Portugal em 2019. Trata-se de um projecto destinado a alunos dos 2.º e 3.º ciclos e que, por cá, conta com um programa feito por três psicólogas da Faculdade de Psicologia da Universidade do Porto e pela associação Empresários pela Inclusão Social (EPIS) e é leccionado por professores no âmbito da disciplina de Cidadania.

Promover o body love

Com os novos paradigmas, estereótipos e padrões associados à beleza, fruto da evolução tecnológica e mediática, a urgência da representatividade da beleza real mantém-se, acredita a marca que, em 2021, criou a campanha Selfie Invertida. Então, um inquérito realizado aferiu que 49% das adolescentes já tinham descarregado uma app de edição de imagem para manipular e distorcer as suas fotografias (um número que aumentava para 63% no caso das raparigas com baixa auto-estima); 41% das raparigas com baixa auto-estima preferiam ver-se em fotografias editadas e 25% lamentavam que na vida real não pudessem assemelhar-se à imagem que publicavam nas suas redes sociais.

Em 2022, focada em Portugal, a campanha De Body Shaming a Body Love quis perceber a extensão do problema “body shaming”, quando a pessoa é ridicularizada pela sua aparência física. Do estudo efectuado, no qual se inquiriram mulheres de diferentes idades e com diferentes corpos, 64% referiram ser ou ter sido alvo de body shaming.

No ano passado, a Dove voltou a virar a sua atenção para as redes sociais com a campanha Cost of Beauty, de modo a entender como as redes sociais e os conteúdos que veiculam têm impacto na saúde mental dos jovens. Os estudos realizados no âmbito da campanha reflectem que oito em cada dez jovens preferem comunicar com outros jovens através das redes sociais, em vez de pessoalmente; nove em cada dez já foram expostos a conteúdos de beleza tóxicos nas redes sociais; e 75% concordam que as redes sociais têm o poder de os influenciar a querer mudar a sua aparência.

Agora, 20 anos depois da primeira campanha, a marca identifica uma nova questão que está a ameaçar a representação real da beleza: a crescente utilização de imagens geradas por IA. “As campanhas da Dove têm por base a realização de estudos, que são a fonte de conhecimento para a marca poder identificar as necessidades das mulheres, crianças e adolescentes, perceber como está a evoluir o tema da beleza e que desafios possam surgir. A marca não só desenvolve estudos globais como procura incluir Portugal na amostra, de modo a ter dados locais”, revela Maria Matos. Por essa razão, lançou a campanha The Code, que vai aborda a problemática da IA, e procedeu à realização de um novo estudo global sobre a beleza e qual o seu impacto nas raparigas e mulheres nos dias de hoje: The Real State of Beauty.

A pesquisa foi realizada entre Novembro e Dezembro passado em 20 países, onde a Edelman DXI (Data x Intelligence), consultora global e multidisciplinar de pesquisa, análise e dados, fez mais de 33 mil entrevistas. Foram consultados 15 especialistas, desde académicos a consultores em imagem corporal e activistas, sobre as questões e os resultados da pesquisa, de forma a garantir que fosse representativa de vários subgrupos (pessoas com corpos maiores, deficiência, problemas de saúde mental, pessoas LGBTQ+ e de diferentes etnias). Com base nos resultados, constata-se um aumento da pressão social face à aparência e a importância que ainda se atribui a certos tipos de beleza mais padronizados.

“Apesar dos 20 anos de trabalho realizado no sentido de ampliar a definição de beleza, as mulheres sentem-se, hoje, menos confiantes com a sua própria beleza do que há uma década. A representatividade é mais importante do que nunca. À medida que a tecnologia de IA continua a evoluir, torna-se cada vez mais difícil distinguir o que é beleza real do que é falso”, explica Phillippa Diedrichs, psicóloga do Centro de Pesquisa de Aparência e Imagem Corporal, da Universidade de West England, citada pela Dove em comunicado.

“O trabalho que começámos em 2004 está longe de terminar. Vinte anos depois, a nova campanha de Dove reforça a intenção de que nos próximos 20, e à medida que as novas tecnologias se aperfeiçoam e evoluem, continuemos comprometidos em proteger, celebrar e defender a beleza real”, diz Maria Matos, que acredita que as campanhas, ao serem baseadas em estudos, retratam preocupações reais.

Embora a Dove tenha sido pioneira a falar sobre beleza real, hoje em dia há outras marcas que também o fazem. “Não é por acaso que, no último estudo que Dove fez para entender como a beleza tem impacto nas mulheres e meninas de hoje, aprendemos que houve algumas mudanças positivas e que, hoje, a maioria das mulheres se sente mais bem representada pela indústria da beleza”, defende Maria Matos.

E haver mais marcas a fazê-lo não é um problema, “pelo contrário”, afirma a responsável. “Não nos sentimos ‘ameaçados’, até porque conseguimos diferenciar-nos. Muitas vezes é a Dove que aborda um problema pela primeira vez: por exemplo, enquanto a maioria das marcas cataloga a sua gama de produtos para as peles maduras com o rótulo ‘anti-age’, nós lançámos a gama ‘pro-age’, precisamente para mostrar que envelhecer não deve ser encarado como o fim da beleza ou que a idade é negativa e deve ser combatida. Isto é trazer para a sociedade uma nova forma de ver as coisas”, conclui.


Texto editado por Bárbara Wong

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