Memórias de um dia feliz
José Jorge Letria recorda o “seu” 25 de Abril de 1974. “Foi o dia mais feliz da minha vida.” O medo saiu do quotidiano do cantor e jornalista e não mais viu os seus artigos censurados.
“Mãe, amanhã fique em casa, não vá às compras e vá sempre ouvindo rádio. Eu sei o que vai acontecer e estou seguro.” Palavras de José Jorge Letria num almoço com a mãe, em Cascais, no dia 24 de Abril de 1974 e reproduzidas neste livro.
“É um testemunho do que vivi na preparação do 25 de Abril. Fiquei ao corrente do que se ia passar através do meu camarada de redacção do jornal República Álvaro Guerra”, conta o autor ao PÚBLICO. Desafiado para “apoiar os militares numa acção contra o regime para antes do final de Abril”, não hesitou em dizer que sim. “Apesar de ter um filho pequeno, o André, e de saber que corria riscos, não poderia deixar de participar no derrube de uma ditadura de 48 anos e no desejado fim da Guerra Colonial”, recorda.
Em O Meu Primeiro 25 de Abril, o escritor que preside à Sociedade Portuguesa de Autores dá conta aos mais novos de como a juventude de então “vivia ameaçada pela mobilização para a guerra e dividida entre o partir para África ou o rumar para o exílio”.
Sobre os preparativos para o dia da revolução, descreve: “Foi preciso fazer chegar aos oficiais do MFA (Movimento das Forças Armadas) o disco do Zeca Afonso que incluía o Grândola, Vila Morena, tarefa que cumpri com um outro jornalista, que fazia parte do programa Limite da Rádio Renascença, que emitiu a canção-senha depois da meia-noite do dia 24 de Abril.”
“Representar o antes e o depois desse grande marco na história do país”
Para o ilustrador Helder Teixeira Peleja, “este projecto foi um desafio muito aliciante”, diz ao PÚBLICO via email, “em especial quando, ao ler o texto pela primeira vez, percebi que se tratava de um relato na primeira pessoa”, acrescenta.
José Jorge Letria sente-se muito “bem retratado” no livro. Diz mesmo, divertido: “Não tenho dúvidas de que aquele jovem de cabelo comprido e de bigode sou mesmo eu.” No último plano, vê-se de relance o escritor com o aspecto actual.
O ilustrador fala assim sobre o processo criativo de O Meu Primeiro 25 de Abril: “Procurei fazer as minhas pesquisas de forma que as ilustrações representassem as pessoas, os locais, os momentos, tudo o descrito no texto.”
Através das cores e das formas, tentou “representar o antes e o depois desse grande marco na história do país”. O azul-escuro, o preto e o cinzento vão dando lugar a cores mais alegres, com o vermelho a invadir sucessivamente as páginas. Fica clara esta intenção ao comparar-se as guardas iniciais (onde predomina o azul do lápis da censura) com as guardas finais (vários tons de vermelho, certamente a invocar os cravos).
Helder Teixeira Peleja não tem dúvidas sobre este trabalho: “Um livro muito interessante para os mais pequenos ficarem a conhecer o 25 de Abril.”
José Jorge Letria, que exulta ao recordar-se de que “o ideal da liberdade se cumpriu” e se viveu a “consagração da democracia”, mostra-se apreensivo com o momento actual: “Sinto a mesma preocupação de há 50 anos. Vi a ditadura render-se e agora assisto ao populismo a querer conquistar o poder.” Diz ainda: “A democracia não pode estar sujeita a birras…”
O livro termina com um epílogo, a lembrar que a Revolução dos Cravos foi pacífica, sem “violência nem sangue derramado”. Um dia de alegria e esperança. Para recordar, sempre.