Uma corrida para lado nenhum (ou talvez não)

Animais humanizados correm de um lado para o outro sem sabermos o que procuram. Texto e ilustração mostram que o ritmo de cada um precisa de ser respeitado.

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“Se esta história fosse sobre animais, não entrava o caracol, porque todos os outros corriam quanto podiam, em busca do quê, não sabemos” Carla Nazareth
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“Se esta história fosse sobre animais, não entrava o caracol, nem a tartaruga, nem a formiga, nem a preguiça, porque todos os outros corriam quanto podiam, em busca do quê, não sabemos. Talvez de um foguetão futurista ou de uma incrível notícia!” Carla Nazareth
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“E todos perguntaram: o que é, o que é? Mas se esta história não é sobre animais, então é sobre o quê?” Carla Nazareth
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A ilustradora fez por alinhar as imagens com o “crescendo ao longo do livro” Carla Nazareth
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“A partir de agora, não vamos a lado nenhum! Ficamos aqui! E assim fzeram” Carla Nazareth
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Capa do livro Se Esta História Fosse sobre Animais, editado pela Doninha Ternurenta Carla Nazareth
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“Se esta história fosse sobre animais, não entrava o caracol, porque todos os outros corriam quanto podiam, em busca do quê, não sabemos”, começa assim uma narrativa algo misteriosa e cheia de movimento e cor.

Sem intuitos pedagógicos, acaba por fazer pensar nas fragilidades dos que não podem competir com outros, mais resistentes e persistentes, mas que não desistem de chegar ao fim. Seja numa corrida ou em qualquer outra coisa a que se proponham.

Explica ao PÚBLICO o autor e editor Carlos Nuno Granja: “Se Esta História Fosse sobre Animais nasceu de uma ideia que assenta essencialmente na desconstrução, no experimentalismo narrativo, na vontade de provocar o leitor, de despertar a curiosidade, em que sair da lógica e observar fora da caixa seja um procedimento comum do meu exercício de escrita. Procuro divertir-me, divertindo.”

Um livro que traduz a filosofia da editora que dirige, em Ovar: “Este livro representa o que a chancela da Doninha Ternurenta pretende trazer para a literatura infantil, uma frescura, um caminho independente a partir da experiência que vamos absorvendo ao interagir com muitos livros e com os pequenos leitores. É uma Doninha Ternurenta que quer voar, trepar árvores, percorrer nuvens e conquistar o espaço em foguetões cheios de extraterrestres.”

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“Como esta história não é sobre animais, todos os que corriam voltaram para trás porque foram pedir explicações” Carla Nazareth

Diz ainda o também professor e livreiro que “o texto não visa ensinamentos ou conselhos pedagógicos, ou mensagens estereotipadas, ou caminhos óbvios”. Na verdade, “o texto segue um rumo, mas pode não ser algo concreto, pode ser apenas uma suposição, e aí deixo nas mãos dos leitores a própria decisão”. Será ele a decidir: “É ou não é? E é o quê?”

Além do caracol, outros seriam excluídos se esta história fosse sobre animais: a tartaruga, a formiga, a preguiça, a cigarra, o cavalo-marinho, o coala e o peixe-boi. “Porque todos os outros corriam quanto podiam, em busca do quê, não sabemos. Talvez de um foguetão futurista ou de uma incrível notícia: ‘Hoje é o dia da grande novidade! Hoje é o grande dia! É o dia do tudo ou nada’.”

Se não fosse sobre animais, já todos teriam lugar: “O final revela-nos que estamos todos no mesmo barco, no mesmo planeta, no mesmo espaço. Dentro das inversões e reversões de texto, que pode levar ao engano e/ou à curiosidade, as personagens assumem o seu ritmo e podem elas mesmas apelar ao boicote, deixando os leitores no pêndulo: voltar atrás, parar por ali ou seguir em frente?”

Um exercício interessante e edificante, o de parar, olhar em volta e decidir por onde ir. Ou mesmo não ir.

Tom de fábula

A ilustradora, Carla Nazareth, conta ao PÚBLICO via email: “Quando o Carlos me apresentou esta história, vi nela tantos sentidos interessantes, vi um texto tão simples, mas, ao mesmo tempo, tão ricamente modelado, que não podia deixar de me sentir entusiasmada com o convite para a ilustrar.”

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“Se esta história fosse sobre animais, não entrava o caracol, nem a tartaruga, nem a formiga, nem a preguiça, porque todos os outros corriam quanto podiam, em busca do quê, não sabemos. Talvez de um foguetão futurista ou de uma incrível notícia!” Carla Nazareth

Fez por alinhar as imagens com o “crescendo ao longo do livro”. Resultou bem. Descreve-o assim: “As personagens passam a correr (ou mais devagar), entram e saem dos limites físicos da obra, somam-se, subtraem-se, acompanham-se (ou ficam para trás), avançam, param e retrocedem. Foi no mesmo tom de fábula, com o mesmo sentido de humor, que decidi, então, humanizá-las e trazê-las até nós em cores garridas, quentes e uma luz especial, porque é de luz e do calor das atitudes humanas que fala este livro.”

Embora tenha começado a sua carreira com recurso a aguarela, acrílico e colagem, há já 25 anos que escolheu a técnica digital para ilustrar, ainda que nunca tenha abandonado o lápis e o papel — dos quais não abdica, principalmente na fase do desenho. “Depois, a pintura digital permite-me trabalhar a qualquer hora, em qualquer lugar, sem constrangimentos de tempo e iluminação. Misturo o analógico e o digital, mas, ainda que mude o tipo de pincéis, no final, sou sempre eu ali estampada nas imagens”, afirma.

A ilustradora diz ainda: “Trabalho sempre com o objectivo de dar o meu contributo para um resultado ainda melhor, mais estimulante, mais rico em leituras e apontador de sentidos.” E recorda a conhecida frase: “Quem conta um conto acrescenta um ponto.” Para concluir: “No meu papel de recontadora das histórias através da imagem, faço mesmo gosto — e questão! — de que isso aconteça.” E aconteceu.

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