Como se faz campanha nas redes sociais? Com pouca força e com mais candidatos do que partidos

A política está longe do topo das tendências. Alguns candidatos, como André Ventura, destacam-se nas redes sociais, mas com que estratégias?

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Imigração, aborto e tinta verde: os temas marcaram a agenda mediática da primeira semana de campanha eleitoral. Na televisão ou nos jornais, desmontou-se a ideia de que mais imigração significa mais criminalidade, a interrupção voluntária da gravidez voltou à ordem do dia, e não faltaram imagens de Luís Montenegro coberto de tinta verde, lançada por um activista climático.

Os temas relacionados com a política foram, como é hábito, dos mais falados (e muitas vezes os mais lidos) na comunicação social. Mas terá sido igual nas redes sociais? Como anda a campanha eleitoral online?

“A política é essencialmente o reino do jornalismo”, começa por ressalvar Gustavo Cardoso, coordenador da equipa do MediaLab do Iscte-IUL, que, em parceria com a agência Lusa, tem prestado atenção à desinformação online. “É dada muita atenção em número de páginas, posts, minutos à política. Mas, nas redes sociais, é preciso descer muitos lugares no ranking dos temas mais discutidos ou que têm mais interacções para encontrar política”, enquadra. Isto quer dizer que “as pessoas discutem muito mais outros assuntos que não têm nada a ver com política do que política”.

Olhemos para o Facebook: na semana de 15 a 21 de Fevereiro, a política esteve longe do topo, observou o MediaLab. Ainda não tinha arrancado a campanha eleitoral, mas as eleições de 10 de Março já estavam na agenda mediática, especialmente porque os debates entre os líderes dos partidos já tinham arrancado a 5 de Fevereiro e terminaram a 19.

Ainda assim, nessa semana, a entrevista de Pedro Nuno Santos ao programa “Alta Definição” é a primeira a aparecer, e surge apenas em 16.º lugar. Depois, as publicações directamente relacionadas com política só reaparecem nos lugares 76, 175, 321 e 326: todas elas do Chega, sobre imigração, sondagens e críticas a comentadores.

Mais ainda, o MediaLab notou que as entrevistas intimistas têm algum peso nas redes sociais: o post de Pedro Nuno Santos com mais interacções foi publicado em conjunto com a TVI, a propósito de programa “Dois às 10”, e conseguiu cerca de quatro mil interacções durante a semana. O mesmo aconteceu com Inês Sousa Real, que, com a publicação em conjunto com a TVI, contabilizava 1292 interacções — também a sua publicação mais popular.

“Nas redes sociais encontramos coisas [sobre políticos] que estariam em secções de lifestyle se eles fossem celebridades não-políticas. Vamos encontrar muito mais coisas que não têm categorização nas editorias jornalísticas e, depois, lá no meio, aparecem algumas coisas de política [mais pura e dura]”, explica Gustavo Cardoso. “Mas aquelas que criam viralidade são as que se aproximam dos conteúdos mais comuns.”

A viralidade

Pedro Nuno Santos foi entrevistado para a série “Bom Partido”, de Guilherme Geirinhas, que se estreou na segunda-feira, 26 de Fevereiro, e admitiu que chamava “baby” à companheira, o que gerou algum burburinho nas redes sociais. Exemplo que cabe no “material que vai ao encontro das expectativas das pessoas e é 'remixado' e partilhado”.

“Com certeza foi alguém, que não o entrevistador ou o entrevistado, que começou a partilhar. É pouco normal ser a campanha a fazê-lo, porque as campanhas têm uma lógica comunicativa mais institucional. Portanto, a tendência será haver alguém que gosta ou desgosta do candidato a lançar a informação e a fazê-la circular”, explica o investigador.

É que, ainda que saibamos “o que funciona” para criar viralidade, é muito difícil “programar e fazer funcionar”. Mas alguns políticos já têm noção deste conceito e sabem capitalizar as suas palavras.

Os líderes que já cresceram com a Internet conseguem fazer isso “de uma forma muito natural”. Por vezes, perante uma pergunta, percebem que a resposta que estão a dar “tem o potencial de se tornar viral”.

André Ventura é alguém que o faz “relativamente bem” (já lá vamos), o que ajuda a justificar os números que tem nas redes sociais: no TikTok, onde apenas estão presentes Pedro Nuno Santos, André Ventura e Inês Sousa Real, o presidente do Chega conseguiu quase 30 mil interacções com oito publicações. Na semana de 15 a 21 de Fevereiro, Ventura foi o que mais publicou (17 posts) e mais interacções obteve (quase 144 mil).

Também no X, antigo Twitter, foi André Ventura quem mais publicou, 19 posts, e mais interacções conseguiu, 58.634. Mas Pedro Nuno Santos e Inês Sousa Real foram os que mais cresceram nesta plataforma, tanto em número de publicações como de interacções.

Se olharmos para o número de seguidores no Instagram, considerada pelo MediaLab a “rede social mais importante para os candidatos, porque gera bastante mais interacções”, sinónimo de atenção, a lista é assim: André Ventura (Chega) soma 341 mil, Mariana Mortágua (Bloco de Esquerda) conta 48,9 mil, Pedro Nuno Santos (Partido Socialista), 22,4 mil, Rui Tavares (Livre) 23,6 mil, Luís Montenegro (PSD/Aliança Democrática) tem 15,2 mil, Inês Sousa Real (PAN) e Rui Rocha (Iniciativa Liberal) não chegam aos nove mil. Paulo Raimundo (Partido Comunista) não tem conta oficial no Instagram.

Nesta rede em concreto, o MediaLab reporta que foi o presidente do PSD quem mais cresceu no Instagram, publicando dez vezes e atingindo perto das 12 mil interacções. Ainda assim, os seguidores de todos os candidatos somados não chegam ao número de seguidores de Ventura.

Candidatos, não partidos

A explicação está no presidente do Chega, mas também nos outros líderes e partidos. “As redes sociais foram feitas para pessoas, não para organizações”, enquadra Gustavo Cardoso. O que significa que “qualquer comunicação que não seja na primeira pessoa é mais complicada”. “Fazer a comunicação do PSD, do PS” ou de qualquer outro partido é diferente de “fazer a comunicação de cada um dos candidatos”. Uma é institucional, a outra... depende.

Os partidos mais novos “habituaram-se a eleger só um deputado”, que é o líder. Quando assim é, há “maior facilidade em construir audiências e centrar-se naquela pessoa”. Ou seja, há mais facilidade em sair da formalidade da comunicação institucional. No caso de André Ventura e do Chega, o que acontece é que “partido e pessoa são a mesma coisa”.

Também o facto de se definir como “de direita, sim, mas diferente de todos os outros” acaba por centrar, mais uma vez, o discurso em si. “E isto resulta muito bem”, pelo menos enquanto André Ventura quiser estar no partido. É que esta “facilidade para a comunicação pode ser uma enorme fraqueza em termos políticos”, porque “o único cimento é a sua personalidade”.

Por enquanto, tem “uma ideia clara de quem são os seus públicos” e entende a linguagem das diferentes plataformas. No TikTok, por exemplo, não se importa de publicar vídeos mais encenados e teatrais, como um em que restringe os seus movimentos com uma corda, para mostrar “as amarras do socialismo” — naturalmente quebradas antes do final do vídeo para abrir os braços e convidar quem o vê a juntar-se ao Chega.

O MediaLab já tinha referido à Lusa como este partido era um “caso de estudo”, ao utilizar uma narrativa simples e populista com apoiantes que são “militantes digitais” e que partilham uma “cultura de liderança” — que faz com que os apoiantes não tenham problemas em partilhar conteúdos, porque se identificam com a causa.

Na altura, Gustavo Cardoso sublinhou que, sendo um “partido de protesto”, que está contra “mais do que a favor de algumas coisas”, é mais fácil [mobilizar] porque as pessoas têm sempre alguma razão de queixa”.

Já os partidos maiores “autolimitam-se naquilo que os seus líderes podem fazer, porque acham que se forem demasiado informais estão a colocar em causa o respeito e o poder”. Mais do que saberem o que têm de fazer, é preciso que “os candidatos se sintam bem nesse papel”. E que não alinhem no discurso populista e simplista.

A desinformação

Também a desinformação é muitas vezes a estratégia. O caso dos alegados tiros à comitiva do Chega em Famalicão, difundidos pelo partido mas rapidamente desmentidos pela PSP, que confirmou que se tratava de "rateres" produzidos por uma mota da própria comitiva, é um exemplo disso.

A publicação de André Ventura, que lançou o tema, teve mais de um milhão de visualizações antes da correcção, concluiu o MediaLab. A informação verdadeira, o comunicado da PSP, publicada quatro horas depois, já não conseguiu o mesmo alcance.

As incongruências também não importam quando o objectivo é a viralidade: um vídeo no TikTok sobre a caça à multa pelas polícias foi visto pelo menos 687 mil vezes, teve 30 mil likes e mais de mil comentários. Mas este é o mesmo político que proclama a defesa das forças de segurança.

E, claro, os deslizes e excessos, alicerçados na ideia de que é “contra o sistema”: numa intervenção em Guimarães, Ventura apelou à utilização de roupa interior com o símbolo de Portugal — e confessou que ele próprio o faz. Esta pode “não ser a melhor saída para parte do seu público”.

Este ano, pela primeira vez, chegaram a Portugal campanhas de desinformação com origem internacional, reportou o MediaLab. Foram difundidos vídeos com mensagens contra o PS e o PSD. Um deles, publicado no canal "Bolsonaristas em Portugal", relacionava dirigentes do PS com casos de corrupção, usando artigos descontextualizados. Aparecia como anúncio no YouTube e noutros sites que usam serviços de publicidade da Google, como o jornal A Bola. O outro associava a Aliança Democrática aos cortes no tempo da troika.

“Lá por as coisas serem assinadas por uma entidade, isso não quer dizer obrigatoriamente que sejam produzidas pela própria entidade que assina", salvaguardou Gustavo Cardoso ao PÚBLICO. As suspeitas sobre a interferência externa relacionam-se, no entanto, com a empresa responsável pelo anúncio: a norte-americana Nekoplay LLC, sediada no paraíso fiscal do Delaware e que já está associada a campanhas de desinformação na Roménia, em Singapura e no Panamá.

Os vídeos foram retirados de circulação, por isso não há certezas de quantas pessoas foram alcançadas, mas Gustavo Cardoso refere que um deles terá tido mais de "100 mil interacções" e outro talvez "um pouco abaixo".

Notícia actualizada às 11h42 de 4 de Março de 2024: foram acrescentados os seguidores de Rui Tavares no Instagram.

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