Das Ordens e seus estatutos

Nem o Estado Novo e o senhor de Santa Comba se atreveram a tentar destruir as Ordens.

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Não é por se repetir uma mentira muitas vezes, que a torna real.

Dizer que as Ordens são corporativistas é uma balela demagógica que devia envergonhar os seus autores. É ignorar o trabalho dos Conselhos de Deontologia e Disciplinares respectivos. O volume de processos, o número de condenações e sanções disciplinares aplicadas.

As pesquisas são fáceis!

No caso da Ordem dos Advogados, as suspensões, expulsões e cancelamentos de inscrição por falta de idoneidade são alvo de publicação em editais, os quais são, por seu turno, publicados no Diário da República, jornais nacionais e afixados nos lugares de estilo, nomeadamente nos tribunais.

O problema é assistirmos de há uns anos a esta parte ao culto da arrogância e prepotência que tudo pode e manda. Não ouve, não escuta, não dialoga e não quer saber. Que chumba propostas legislativas apenas porque não pertencem ao seu grupo parlamentar.

Que decide eliminar da sociedade portuguesa e dos palcos da intervenção pública, as vozes incómodas, que dizem o que têm a dizer, que não se escudam com baboseiras e diletantismos e afirmam, chegam-se à frente, expõem-se.

Conta a história deste país, e há muitos senhores advogados, já com provecta idade na sua grande parte, o ocorrido nos muitos julgamentos políticos dos tribunais plenários. Como muitos advogados da nossa praça não se esconderam e assumiram as defesas dos arguidos, por razões políticas e por ódios de estimação da PIDE e dos seus grotescos e pusilânimes funcionários.

Tenho vindo a afirmar e repito-o. Nem o Estado Novo e o senhor de Santa Comba se atreveram a tentar destruir as Ordens.

No entanto, em plena democracia e no século XXI, observamos que assumem um papel interventivo, sério e responsável, na defesa primeiro da sociedade, da cidadania e dos direitos fundamentais, e apenas depois dos seus associados, bastonários de várias Ordens. Lembremos Miguel Guimarães e Ana Rita Cavaco no tempo da pandemia, nomeadamente.

E o que se seguiu?

Sindicâncias a Ordens. Alterações dos Estatutos das Ordens, nomeadamente forçando a entrada para os órgãos de estranhos às mesmas e decerto a remunerar. Será mais uma porta giratória de jobs for the boys? Assim parece.

A questão da Ordem dos Advogados não é aquilo que a maioria parlamentar ergue como bandeira, gasta e bafienta: os estágios. Muitos são os advogados que remuneram os estagiários. Se a regra passa a ser essa, só aceita ser patrono quem tiver a capacidade financeira para o efeito. É uma não questão.

Agora diminuir o tempo de estágio já não é de somenos. Nem tão pouco como vão os candidatos a estágio arranjar patrono para o efeito. Pois, a isso não se responde. A poder-se obter consulta jurídica por qualquer um, também não.

Implementar como regra a selva das cobranças que assediam, enxovalham e tudo fazem para obter a recuperação de créditos, porque é de comissões que obtém receita, já nada importa. Elaborar contratos, por exercício de cópia, só levará ao aumento dos conflitos, litígios e pendências judiciais.

Ah, e é bom que se lembrem que há um crime para descriminalizar, a procuradoria ilícita.

Sabem, o que me envergonha como cidadã é assistir a um debate parlamentar, em que uma gaiata embebida duma arrogância absolutamente sobranceira reduz uma profissão e as necessidades do cidadão a par do respeito à Constituição ao jargão do corporativismo e do pagamento aos estagiários. Em que o Governo escolhe um secretário de Estado do Desporto para o representar no debate. E, só porque tem maioria, volta a aprovar uma lei errada, injusta e com desígnios obscuros, depois do veto presidencial.

Há muitos anos um outro primeiro-ministro, acho que aquele que inaugurou definitivamente este estilo de governação absolutista, pôs a sua bancada a votar contra a proposta de outro partido, para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, «porque não era o tempo, não era oportuno».

Na legislatura seguinte aprovou proposta semelhante, agora da autoria da sua bancada, para se arvorar o defensor da modernidade e da igualdade. Lamento profundamente este modus operandi de estar na causa pública, de representar os eleitores.

Recordo outros tempos, outros deputados, com uma incomensurável classe, cada um no seu estilo, defendendo convicções, e não debitando frases feitas, marteladas, ditas e gritadas até à exaustão a fim de virarem soundbite e tornarem-se verdades.

Afinal Trump e Bolsonaro fazem escola, das fake news constroem-se fake facts e assim andamos.

Lamentável.

Shame on them!

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