Tânia Gaspar: “Para não se proibir têm de se criar condições para os jovens não estarem nos telefones”
A gestão do tempo que uma criança ou jovem passa em frente a um telemóvel ou consola pode ser difícil. Para a psicóloga Tânia Gaspar, tem de existir equilíbrio, sem diabolizar a tecnologia.
Tânia Gaspar, psicóloga, professora e coordenadora no estudo internacional Health Behavior School Aged Children, promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), está habituada a visitar escolas. Que os alunos saiam das aulas já de telemóvel em punho, quase como uma extensão da mão, deixou de ser uma surpresa. Mas a que sinais devem os pais e professores estar atentos? Quando é que o uso de ecrãs passa a ser demais e entra no campo da dependência?
Quando é que se ultrapassa a fronteira entre passar demasiado tempo em frente a um ecrã para uma patologia?
O que define o normal do patológico são características como a intensidade, a frequência e o impacto social e ocupacional. Muitas vezes a linha entre uma coisa e outra é pequenina. Começamos por tentar identificar alguns sintomas para termos um diagnóstico. O tempo de ecrã é um dos indicadores, mas esse factor conta cada vez menos. Também o estado emocional da pessoa quando está afastada dos ecrãs conta.
Por exemplo, se um jovem deixa de fazer outras actividades que são agradáveis para si para continuar a estar preso aos ecrãs. Não consegue fazer contactos interpessoais, não consegue sentir prazer a não ser através de redes sociais e cada vez que é retirado das redes reage agressivamente, com impulsividade. Há uma série de critérios que, no seu conjunto, vai dar-nos um resultado de dependência ou não.
Na psicologia temos três grandes áreas: as emoções, o pensamento e o comportamento. Quanto mais esta dependência invadir estas áreas do funcionamento maior será o nível de dependência.
Na base desta dependência está o mesmo que nas dependências de substâncias?
Esta dependência não está integrada nas dependências de substâncias porque, nesses casos, existem substâncias concretas que agem sobre o sistema nervoso central. Não sendo uma substância, [a tecnologia] tem um mecanismo semelhante, no sentido do prazer. E a pessoa acaba por ficar com uma dependência, uma busca incessante por esse estímulo. Nesse sentido, acaba por ter um efeito semelhante. Os sintomas são parecidos, mas o processo é um pouco diferente.
Considera que existe uma idade específica a partir da qual já se pode dar um gadget a uma criança ou jovem?
O que acontece actualmente é: a criança não come, pomos o ecrã e a criança come; a criança não dorme, pomos o gadget e ela dorme; a criança está a chatear, damos o gadget e a criança fica quieta. Não estou a condenar estas situações, temos de ser compreensivos com os pais, no sentido em que a vida é complicada e a gente está cansada. Os ecrãs são quase uma chucha.
Mas, com isto, a criança está a aprender que, para qualquer coisa, para qualquer estímulo, agradável ou desagradável, o telefone ou o tablet vão resolver a situação. E vamos diminuir o reportório da criança para gerir o seu stress, as suas emoções. Mesmo na relação pais com filhos é muito importante a vinculação e a relação contingente, ou seja, os pais e os filhos vão-se conhecendo, aprendendo a lidar uns com os outros. E tem de existir este trabalho, esta dança em que a criança faz, os pais respondem, dizem se está bem ou não. Se isto tudo vai resultar num telefone, também há uma menor compreensão e conhecimento mútuo entre os pais e os filhos. Vai ter impactos vários.
Numa perspectiva mais geral, acho que a proibição nunca foi a melhor estratégia. Os jovens só têm o seu cérebro acabadinho por volta dos 21 aos 25 anos. Teríamos de estar a ter essas restrições até muito tarde na vida do jovem, o que, a certa altura, deixa de fazer sentido. Portanto, aquilo que é mais eficaz é promover a auto-regulação e condições no contexto e no ambiente para que eles tenham outras alternativas suficientemente apelativas.
E a tecnologia tem coisas positivas. Pode haver actividades positivas que as crianças podem fazer com os ecrãs. Mais uma vez, terá de ser uma coisa reduzida no tempo, mas não a única actividade que a criança faz. A questão aqui é não diabolizar. Tem é de haver, desde muito cedo, algumas regras e alguns limites, que vão sendo negociados ao longo do desenvolvimento.