As resoluções de Ano Novo falham sempre? Uma psicóloga explica

As resoluções de Ano Novo podem ser tentadoras, mas difíceis de cumprir. A psicóloga Ana Bispo Ramires ajuda a fazer um plano.

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Beber mais água, fazer mais exercício, deixar vícios. Todas estas afirmações são familiares a quem se senta com um caderninho para apontar as resoluções de Ano Novo. Porém, enquanto escrevê-las pode ser um exercício divertido, a frustração de não as cumprir pode afectar-nos a motivação.

“É uma espécie de wishful thinking. Estabeleço coisas que quero, mas não me detenho a planear os passos para as atingir, os entraves que podem surgir e como os vou resolver”, descreve Ana Bispo Ramires, psicóloga de performance há 25 anos, em contextos de alto rendimento, que trabalha com atletas e a selecção nacional de futebol profissional, gestores de topo e até o Comité Olímpico.

Escrever as resoluções, por se tratar de “uma espécie de ritual, muitas vezes acaba por ser vazio de estratégia e de conteúdo”. No entanto, o facto de ser associado à data pode trazer outros benefícios.

Conferir simbolismo

O acto de ligar as resoluções ao Ano Novo também pode ser positivo. “As resoluções em si são inócuas, são brancas, transparentes, não têm qualquer peso. A forma como as temperamos, com simbolismo, com estratégia, com apoio é que faz com que sejam eficazes”, explicou a psicóloga.

Afinal, há outras datas simbólicas, por exemplo, o nosso aniversário (ou mesmo o dia de hoje se assim quisermos) e isso ajuda a marcar um processo de mudança. Porém, o mais importante é mesmo o alinhamento com o nosso timing interno: “Para fazermos resoluções temos que estar num momento em que respiramos vontade de mudança, em que temos toda a certeza que queremos melhorar certos aspectos”, acrescentou.

Pressão dos pares

Algo que pode ajudar ao sucesso das resoluções é torná-las colectivas. A pressão dos pares positiva (como sublinhou a psicóloga), pode aumentar a probabilidade de atingirmos as nossas metas: “Basta um grupo que tenha alguém mais obstinado e que pode arrastar as pessoas que estão com menos determinação”.

Tempo pessoal e de qualidade

Todos já vivemos momentos em que nos sentimos assoberbados pela quantidade de coisas a fazer. Ana Bispo acredita que estamos “sempre em modo automático, não estamos a reflectir sobre as coisas e se não estou a reflectir, não penso nos impedimentos e estratégias que não estão a funcionar bem”.

Para que isso não aconteça, a psicóloga aconselha a criarmos um “me-time” (tempo pessoal) semanal ou, idealmente, diário, “como uma espécie de balanço” sobre o comportamento que estou a fazer para me aproximar da execução daquilo que determinei.”

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Escrever as resoluções nem sempre é o melhor método. Getty Images

Objectivos a longo prazo

“Devemos estabelecer objectivos a longo prazo, à semelhança dos atletas olímpicos (a quatro anos)”, diz Ana Bispo Ramires. Só assim “é que sabemos o que queremos para a nossa vida e é esse saber que vai nortear todas as decisões que tomo ao longo do dia. Tenho de ter esse objectivo a longo prazo para poder analisar as minhas atitudes diárias e perceber se são benéficas ou não para o cumprir.”

Decompor os objectivos

Apesar de defender que é necessário ter objectivos a longo prazo, é igualmente importante decompô-los em pequenas tarefas e rotinas. “Quero muito aumentar a minha capacidade de concentração, estou sempre a dizer que não tenho tempo hoje, nem amanhã. Mas se estabelecer a micro-tarefa de ler 15 minutos por dia, no final do ano vou ter imenso tempo de leitura”, exemplificou. É necessário estabelecer micro-tarefas para chegar à grande questão, “com tarefas exequíveis e nada abstractas, para o nosso cérebro conseguir organizar uma resposta”.

Depender apenas de nós próprios

Ana Bispo Ramires acredita que há um erro fundamental: estabelecer objectivos que não dependam única e exclusivamente dos nosso esforços. “Não posso definir que quero casar, não posso definir que quero ter uma nota em concreto num teste, não posso definir que tenho que estar naquele trabalho em específico. Mas posso, sim, desenvolver aspectos e competências que me tornem mais apetecível para que isso aconteça, por exemplo uma melhor candidata para o processo de recrutamento. Isso eu controlo.”

Resumidamente, não podemos estabelecer resoluções do resultado final, mas sim do processo que pode aumentar as chances de chegar ao resultado final.

Saber parar

“Vivemos numa cultura de fazer, fazer, fazer. Devemos ter pausas regenerativas e isso é uma ajuda para recarregar energia física, emocional e psicológica para nos focarmos no que queremos”, aconselhou.

No entanto, adverte que “as pausas devem ser mesmo regenerativa. Devemos fazer coisas que nos vão dar prazer, como o envolvimento com a comunidade, estar com amigos, ou seja, ter tempo pessoal sem o taxímetro ligado”.

Lidar com a frustração

Se quisermos tocar guitarra, provavelmente vamos sentir muita frustração antes de começar a soar bem. É esse período de dificuldades que faz com que as pessoas desistam rapidamente. “Não quero com isto dizer que devemos permanecer nas coisas para sempre, mas às vezes a satisfação vem com a permanência, temos de ter a curiosidade e criatividade para perceber que as coisas não estão a funcionar, mas como é que fazemos que funcionem e não descartar tudo ao primeiro desafio”, garantiu Ana Bispo.

Apesar da necessidade de resiliência, reforça que é preciso perceber se é realmente aquilo que queremos e se não estaremos a viver consoante um “software instalado pela sociedade.”

“Na minha geração, a fantasia era casar aos vinte e poucos, ter uma casa, filhos, um cão e um jardim. Agora é mais um mestrado, mais um doutoramento, liderar uma equipa. Temos de parar para perceber se este software serve a vida que queremos para nós”, advertiu.

Simplicidade

Apesar de acreditar na importância dos objectivos, a psicóloga deixa alguns avisos. É importante sabermos retirar prazer de coisas para lá dos objectivos académicos e profissionais e, mesmo aqueles que temos, devem ser mutáveis e dinâmicos. Há compromissos a estabelecer “mas devemos ser flexíveis para os atingir”. “É um objectivo, não uma ditadura”, conclui.

Texto editado por Renata Monteiro

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