Despejo, ameaças e prisão: a comunidade LGBT do Uganda atravessa um ano difícil
O tribunal ugandês enfrenta contestação a uma das leis anti-LGBT mais severas do mundo, mas o que está em causa é mais do que a simples constitucionalidade do diploma aprovado pelo Parlamento.
Os activistas LGBT afirmam que a Lei Anti-Homossexualidade (AHA) deu aos ugandeses uma licença implícita para abusar e discriminar as minorias sexuais.
Embora pelo menos cinco pessoas tenham sido acusadas ao abrigo da lei, desde a sua promulgação em Maio, incluindo duas por alegados crimes passíveis de pena de morte, centenas de outras foram vítimas de tortura, abuso sexual, intimidação e despejo, de acordo com um relatório divulgado em Setembro por grupos de defesa dos direitos humanos.
Contactado para comentar o assunto, o porta-voz do Governo, Ofwono Opondo, respondeu por mensagem de texto: "Não vou perder o meu tempo a dar crédito a falsidades. Eles que continuem com a sua propaganda. Isso não vai alterar negativamente o desempenho do Uganda no terreno."
O Governo afirmou anteriormente que a lei anti-gay se destina a criminalizar a actividade sexual entre pessoas do mesmo sexo e a sua promoção, e não a penalizar os ugandeses LGBT.
Activistas dos direitos LGBT, cidadãos e um legislador estão a tentar anular a lei por razões constitucionais. A Reuters referiu-se a eles apenas pelos nomes próprios ou alcunhas por razões de segurança.
Sem emprego e sem casa
Dias depois de a lei ter sido promulgada, em Maio, Sandra, que é lésbica, foi chamada ao gabinete do responsável do supermercado onde trabalhava. "O meu patrão (...) disse-me: 'Não posso permitir que continues a trabalhar para mim por causa do que se está a passar'", recorda Sandra, 23 anos.
O gerente disse-lhe que, se os clientes soubessem que estava a "contratar alguém como tu", isso arruinaria a reputação da empresa. Sandra, que conta que os pais a mandaram sair de casa quando souberam a sua orientação sexual, em 2019, não conseguiu pagar a renda e foi despejada. Encontrou um lugar para dormir num abrigo para pessoas LGBT em situação de sem-abrigo.
Agora, presta ajuda a pessoas em situação de emergência numa instituição de solidariedade social diferente, que também ajuda pessoas LGBT ugandesas. Quando não está a trabalhar, diz que fica dentro de casa e evita as redes sociais para não chamar a atenção.
Sem sítio para ir
Quando a família soube que era gay, em 2019, Pingu, agora com 22 anos, disse que a mãe o renegou e deixou de pagar as propinas da escola. Os familiares ameaçaram queimar os seus órgãos genitais com água a ferver, disse à Reuters.
Ainda assim, quando os legisladores começaram a considerar a lei em Março, alimentando uma onda de abusos homofóbicos, a vida de Pingu estava prestes a piorar.
Em Maio, Pingu relata ter sido drogado, violado e roubado por um homem com quem tinha ido num encontro, num restaurante. Quando recuperou a consciência, estava seminu na berma da estrada, numa zona florestal. Outro homem ajudou-o a encontrar o caminho de casa, disse.
Pingu descreve que a agressão o deixou com nódoas negras à volta dos órgãos genitais e com dificuldades em andar, mas não procurou ajuda médica nem foi à polícia por recear que isso o pudesse levar à prisão.
"Com toda aquela homofobia que estava a acontecer... Senti que eles [profissionais de saúde] me fariam muitas perguntas, que me denunciariam à polícia", disse. "Não consegui fazer justiça pelo que me tinha acontecido."
Quando a lei foi aprovada, Laura conta que os irmãos e tias lhe disseram que pessoas como ela mereciam a pena de morte. Isso fez com que a jovem de 22 anos começasse a pensar em formas de se suicidar. Laura conta que começou a tomar doses elevadas de antidepressivos e a desejar não acordar. Foi internada num hospital, onde recebeu tratamento e teve alta.
"O que a lei faz a pessoas como eu é fazer-nos sentir como se estivéssemos a ser sufocados pelo mundo ao ponto de não termos ar para respirar", afirmou.