Militares encapuzados fortemente armados ocupam sede do PAIGC em Bissau
Dirigentes e deputados da coligação de governo já tinham saído. “O objectivo é amedrontar e silenciar”, diz coordenador da coligação. Director d’O Democrata afirma que líder do PAIGC pode ser preso.
A sede do PAIGC, a principal força política da Guiné-Bissau, foi esta terça-feira invadida por militares encapuzados e fortemente armados, que a ocuparam, em mais um sinal de que a situação política no país se deteriora, um dia depois de o Presidente ter suspendido inconstitucionalmente o Parlamento, ter declarado o Governo demissionário e ter assumido as pastas da Defesa e do Interior.
“Pelas informações disponíveis, a Guarda Presidencial obrigou os militantes do partido a abandonarem a sede e o recinto, depois da reunião da direcção do partido e da coligação PAI-Terra Ranka. Aconteceu depois de Domingos Simões Pereira ter deixado a sede. Neste momento, a zona está cercada pelos militares da Presidência, sob alegação de proteger o perímetro do palácio”, explicou ao PÚBLICO durante a tarde uma fonte em Bissau que pediu para não ser identificada por razões de segurança.
Numa altura em que se conhecem mensagens de preocupação de várias organizações internacionais, nomeadamente da União Africana ("registou com preocupação a dissolução" do Parlamento) e da União Europeia (Bruxelas quer uma "resolução pacífica e tranquila" da crise política e "a consolidação da democracia e do Estado de direito"), pela decisão tomada por Umaro Sissoco Embaló, há sinais de que o chefe de Estado guineense não pretende recuar nas suas intenções, tendo lançado a Polícia Militar e a Guarda Nacional numa operação de busca e apreensão de armas em todo o país, como avançou a Lusa citando uma fonte militar.
“O objectivo é amedrontar e silenciar toda a gente para que esta tentativa de golpe de Estado do Presidente Umaro Sissoco Embaló se concretize”, denunciou ao PÚBLICO Agnelo Regalla, coordenador da coligação governamental PAI-Terra Ranka, liderada por Domingos Simões Pereira (D.S.P.), presidente da Assembleia Nacional Popular.
Regalla fala em “ameaças convincentes à integridade física dos líderes da coligação” que Embaló pretende afastar do poder, acusando-os de preparar um golpe de Estado, algo que o PAIGC e Simões Pereira negam peremptoriamente. “Nós pedimos uma comissão de inquérito que incluísse a comunidade internacional e a sociedade civil” para investigar o sucedido, e o Presidente chegou a afirmar no fim-de-semana que a iria convocar, mas, “antes de criar a comissão, Embaló começou a tomar decisões”.
“Nós não reconhecemos o decreto [presidencial] porque é inconstitucional”, insiste o coordenador da coligação sobre o decreto de dissolução do Parlamento, embora reconheça que, com as mudanças feitas pelo Presidente no Supremo Tribunal, o recurso à justiça para defender a sua posição fica “sem efeito”.
Como explica a mesma fonte que pediu para não ser identificada, Sissoco Embaló desmantelou o Supremo, “forçando a demissão do seu presidente, José Pedro Sambú, e a suspensão de vários juízes conselheiros”, tornando “difícil” que a coligação consiga por essa via revogar o contestado decreto presidencial.
“O próprio D.S.P., acusado de estar por trás da acção dos militares da Guarda Nacional, não tem condições morais nem o apoio popular para promover uma manifestação de apoio à sua causa e à da plataforma PAI-Terra Ranka”, disse ao PÚBLICO António Nhaga, director do jornal O Democrata. “Aliás, pela forma como está a decorrer o trabalho de auscultação dos detidos, D.S.P. corre o risco de ir para a cadeia porquanto os detidos estão a confessar que foi ele o verdadeiro orquestrador da revolta dos militares da Guarda Nacional.”
Regalla garante que o partido não sabia de nada sobre a acção da Guarda Nacional para libertar o ministro da Economia e Finanças, Suleimane Seidi, e o secretário de Estado do Tesouro, António Monteiro, detidos preventivamente no âmbito de uma investigação ao pagamento de 6 mil milhões de francos CFA (9,1 milhões de euros) a 11 empresários. “O DSP esteve com o comandante da Guarda Nacional [o coronel Vítor Tchongo, actualmente preso] sobre um pedido de apoio de colchões para os agentes dele”, mas apenas isso. Quem está por trás da operação, o partido não sabe.
“Desde a formação do novo governo que estava a ser orquestrado e arquitectado o plano para derrubar o novo governo saído das últimas eleições”, explica António Nhaga. “Toda a população sabia que há uma crise interna de coabitação entre o Presidente da República e o presidente da ANP.” Além disso, lembra o director de O Democrata, a formação do governo levou a uma crise no PAIGC e na coligação, “o que facilitou” o controlo de todas as movimentações de D.S.P. pelo Presidente. Por isso, “em todo o país já se falava que, mais dia, menos dia, o Governo iria cair”, já se tinha tornado “conversa de café em Bissau e nas grandes cidades do país”.