Impasse na saúde: Governo propõe aumento de 12,7% para recém-especialistas e médicos pedem 15% para todos

Pizarro alega que a proposta de um aumento salarial intercalar de 15% é insustentável. A derradeira tentativa de chegar a acordo antes das eleições ficou marcada para terça-feira.

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A próxima reunião entre médicos e ministério ficou marcada para terça-feira Benoit Tessier/Reuters
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Foram cerca de duas horas de reunião e mais uma vez, o encontro entre o Ministério da Saúde e os sindicatos médicos terminou sem acordo. À saída do encontro, o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) afirmou que o ministro ficou de analisar a proposta que apresentaram de um aumento salarial intercalar de 15%. Mas à saída do encontro, Manuel Pizarro afirmou que esse aumento é "insustentável" do ponto de vista orçamental. Está marcada mais uma reunião para a próxima terça-feira. Será a última.

A revisão salarial tem sido um dos pontos em que os sindicatos e o Governo menos se têm aproximado. Os médicos pedem um aumento transversal de 30%, para reposição do poder de compra perdido nos últimos anos e para anular o efeito da inflação, enquanto o Ministério da Saúde não tem ido além de uma proposta de aumento de 5,5% - que, a juntar ao aumento salarial, já aprovado para o próximo ano se traduziria num aumento de 8,5%.

Do lado do SIM, a proposta de aumento de 15% é descrita por Roque da Cunha como uma proposta "intercalar", que visa a assegurar que é possível ainda chegar a um acordo antes de o Governo entrar em gestão. A proposta, explicou aos jornalistas à saída do encontro, não foi aceite. Mas o ministro terá ficado de analisá-la até à próxima reunião.

"Apesar de tudo, houve uma evolução [na proposta do Governo], que foi passar de 16,61 euros/hora para 18,61 euros/hora. Estes valores estão longe dos 15% que propusemos já como cedência", revelou o secretário-geral do SIM, referindo que o aumento intercalar que colocaram em cima da mesa deixa o valor/hora muito próximo dos 20 euros.

"O Governo ficou de reflectir sobre a nossa contraproposta", acrescentou Roque da Cunha, adiantado que na terça-feira será a "última reunião". Dirigindo-se ao ministro da Saúde, mas também das Finanças e a António Costa, Jorge Roque da Cunha deixou um apelo: "Vejam o que está acontecer no SNS e aproveitem a disponibilidade do SIM para mitigar este aumento e depois pode ser o próximo Governo a fazer a reestruturação fundamental que é necessária para o SNS".

Por contraponto à proposta inicial de um aumento transversal de 30% para todos os médicos, Roque da Cunha considerou que o aumento intercalar de 15% "não é pedir a lua", inscrevendo-se antes na postura do SIM de "tudo fazer para chegar a um acordo". E se este não for possível? "Quem vai perder são os portugueses", respondeu Roque da Cunha.

"O acesso [aos cuidados de saúde] será mais difícil, vamos ter durante a campanha eleitoral a saúde a servir de arma de combate político, em vez que se procurar um consenso essencial para investir no SNS, já que os problemas se vão agravar", acrescentou, em jeito de alerta.

Fnam analisa sábado

Já a secretária-geral da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), Joana Bordalo e Sá, referiu, ao PÚBLICO, que "o ministério recuou nas propostas que tinha acordado com os sindicatos", referindo-se aos quatro temas em discussão (a actualização das grelhas salariais, a reposição das 35 horas de trabalho por semana, a reposição das 12 horas de urgência e dos dias de férias). "É como se o Governo fizesse tábua rasa destes últimos três itens e, agora, apenas discuta grelhas salariais."

Quanto à proposta da tutela sobre a actualização das grelhas salariais, Joana Bordalo e Sá adiantou que a federação que coordena vai reunir-se no sábado para a analisar e elaborar uma contraproposta, que será depois remetida ao Ministério da Saúde. Apesar disso deixou críticas: "A actualização que nos propõem tem uma variação entre 6% e 15%, muito longe daquilo que nós inicialmente propúnhamos, além de que é muito diferente consoante o tipo de médico e o regime de trabalho." "É [uma proposta] muito diferente, consoante se seja médico interno ou médico especialista. Diria que há uma diferença muito grande entre a proposta da Fnam e a do Governo, se calhar tão distante como os quilómetros que separam o Porto de Lisboa", sublinhou.

"Há reunião na terça-feira. Vamos ver como é que o Governo se vai comportar. Depois a pergunta que fica para o Governo é se quer ter um Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou não, se quer ter médicos no SNS ou não, com a certeza de que, sem médicos, não há SNS", defendeu a sindicalista, para rematar: "Na altura em que estamos, com tantas urgências encerradas (37), com vias verdes do AVC e coronárias com constrangimentos, o Governo tem obrigação de tentar compor aquilo que estragou."

15% é “insustentável”

No final da reunião, o ministro afirmou ser sensível “à necessidade de se encontrar uma solução intercalar, porque o que estava previsto era uma solução de compromisso faseada ao longo da legislatura”. Esse, apontou, já não é o cenário em cima da mesa e, por isso, caem por terra as propostas que tinham sido apresentadas de redução do horário semanal de 40 para 35 horas e do horário na urgência de 18 para 12 horas por semana.

“Essas medidas só podiam ser tomadas por um Governo que fosse capaz depois de promover uma reorganização do SNS que garantisse isso. Nas actuais circunstâncias, não estamos capazes de garantir isso”, afirmou, referindo que, em relação à grelha salarial, houve uma aproximação do Governo aos 15% propostos esta quinta-feira.

“O que propusemos foi um aumento diferenciado, um aumento maior para os médicos recém-especialistas de 12,7%, um aumento para os assistentes graduados um pouco superior a 11% e um aumento de 9,6% para os que já estão no topo da carreira”, explicou, referindo que “é uma proposta que representa um enorme esforço orçamental, no limite do que é possível respeitando o equilíbrio das contas públicas”.

É uma aproximação, mas ainda abaixo dos 15% propostos pelo SIM, num aumento que o ministro considerou ser insustentável do ponto de vista orçamental. “Essa proposta, do nosso ponto de vista, além de ser insustentável do ponto de vista orçamental, criaria novas injustiças. O que procurámos fazer foi uma adequação. É uma proposta que corrige desequilíbrios que existem”, disse. Pizarro acrescentou ainda que esta proposta se junta a outras com impacto salarial, como é o caso da generalização das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B. Recorde-se que, no âmbito da alteração já aprovada pelo Governo, os médicos que trabalhem em centros de saúde que passem a funcionar como USF modelo B terão "um aumento na ordem dos 60%”. Além disso, com esta nova proposta, e no caso dos médicos hospitalares, quem aderir à dedicação plena, usufruirá de um "aumento superior a 40%”.

Reforçando que o valor que o Governo apresentou representa “um esforço orçamental muito significativo”, Manuel Pizarro salientou ainda que o Orçamento do Estado para 2024 está “fechado e já não permite ajustamentos”. Acrescem as “conhecidas circunstâncias que o Governo enfrenta”, acrescentou, referindo-se às eleições legislativas antecipadas que foram marcadas para o dia 10 de Março.

“Os sindicatos vão agora avaliar os valores desta proposta”, disse Manuel Pizarro, que afirmou estar “a trabalhar muito seriamente para que se chegue a acordo”. Pressionado pelos jornalistas, o titular da Saúde lembrou que um acordo “exige duas partes”, para concluir que “a evolução da posição do Governo deixa claro quem se aproximou”.

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