Património cultural a régua e esquadro

Não há conhecimento de ter sido feita qualquer avaliação criteriosa da actividade das Direcções Regionais de Cultura nem recolha de informação credível que fundamente a reforma em curso.

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Enquanto decorre a reorganização, ou extinção, da Direcção-Geral do Património Cultural, estão por esclarecer aspectos fundamentais da operacionalidade pretendida e da anunciada descentralização, ou desconcentração, da administração do património cultural, que o Grupo Pro-Évora entende dever assinalar. Esta reorganização procede à integração das Direcções Regionais de Cultura (DRC) nas Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) e à criação do instituto público Património Cultural IP (com sede no Porto e instalações no Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa) e da empresa pública Museus e Monumentos de Portugal EPE (com sede no mesmo palácio), tendo já sido ultrapassados prazos previstos para a transferência de competências e transição de trabalhadores. Referir-nos-emos especialmente ao património cultural.

Não há conhecimento de ter sido feita qualquer avaliação criteriosa da actividade das DRC nem recolha de informação credível que fundamente a reforma em curso. A análise que se exigiria impunha que se identificassem os estrangulamentos dos processos decisórios, a razão da morosidade das decisões da administração do património cultural ou as causas para a falta de capacidade de resposta às solicitações.

Saberá, porventura, a cúpula do Ministério da Cultura quantos processos de licenciamento ou de trabalhos arqueológicos são objecto de autorização tácita por falta de decisão no prazo legal por parte dos actuais serviços centrais em Lisboa? Saberá quantas obras são realizadas sem parecer dos serviços competentes, ou de forma contrária ao que foi por estes determinado, por não existirem recursos humanos que as possam fiscalizar? Sabemos que serão muitos. É a este tipo de problemas diários que a presente reforma responde?

Centralizar os serviços no Porto e em Lisboa, não criando qualquer estrutura do novo instituto público nas regiões (nem na dimensão mínima de uma divisão) resolverá esta situação? Poderá ser a partir do Porto ou de Lisboa que se prepararão empreitadas de conservação, se gerirão os sítios e monumentos afectos àquele instituto?

Não se pense que as CCDR garantirão a proximidade nas regiões, porque elas não absorverão a parte substancial e principal das atribuições das actuais DRC. Como se entende da reforma, esta preconiza, artificialmente, uma divisão entre zonas de protecção de imóveis classificados (entregues à gestão da CCDR) e os próprios imóveis classificados (entregue ao instituto Património Cultural IP).

Coloquemos a tónica naquilo que estes organismos são: serviços públicos. É preciso questionar as funções públicas prestadas pelos serviços desconcentrados do Ministério da Cultura para entender o impacto da presente reestruturação.

Actualmente, as DRC são o primeiro local aonde se desloca um cidadão que pretenda realizar uma obra num edifício situado num conjunto classificado, ou um presidente de um município que pretenda apoio técnico para um projeto de valorização patrimonial. No novo modelo, as CCDR, onde serão integradas as DRC, embora próximas, não podem resolver o problema nem de um nem de outro, porque não possuem responsabilidade sobre imóveis classificados e o interessado terá de contactar o Património Cultural IP, face à inexistência de serviços desconcentrados deste instituto na sua região. Eventuais conflitos e compadrios poderão também vir a manifestar-se entre os primeiros responsáveis das CCDR e os autarcas que compõem os colégios eleitorais que os elegem.

Outras dificuldades surgirão, por exemplo, com a eventual deslocação, para fora da sua região, dos arquivos das DRC, normalmente organizados geograficamente. Ilustremos com um conjunto conventual em que a igreja esteja classificada, portanto sob a tutela patrimonial do Património Cultural IP, mas não o resto do convento, pelo que qualquer intervenção neste último obrigará a autarquia ou a CCDR a consultar a documentação em Lisboa ou no Porto – não acreditamos que se proceda à divisão destes arquivos, que tornaria inexequíveis muitos procedimentos.

Com a reforma em curso, deixa de haver interlocutor local ou regional, de proximidade, descentralizado, contrariando um dos objectivos anunciados para a mesma. Se, em diversas competências, as DRC não dispõem de técnicos em número suficiente, o que diremos com a redução prevista no Património Cultural IP!? Antevemos maiores e acrescidas dificuldades de gestão dos cerca de 600 imóveis classificados que existem no Alentejo, a área onde nos situamos.

Acreditará o responsável por esta reforma que os problemas de gestão se resolverão com a mudança de modelo institucional, que os recursos aumentarão, que as competências técnicas melhorarão, que os sistemas serão mais fluidos?...

… Mais parece estarmos perante uma espécie de experimentalismo político-cultural, no que respeita à salvaguarda, conservação, gestão e comunicação do património cultural, do que perante uma reforma fundamentada.

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