As maiores vítimas de ansiedade são as mulheres
A minha birra a favor da nossa saúde mental é esta, mãe! Menos! Menos, tralha, menos compromissos, menos exigências, menos people-pleasing, menos fretes, menos perfeição. Alinha?
Ana,
Já viste que vem aí um novo iPhone que nos diz como é que nos sentimos? Que correlaciona batimentos cardíacos com palavras-chave para concluir que está na hora de nos perguntar se estamos ansiosos ou deprimidos? E que regista “o histórico do nosso estado de espírito”?
No Dia Mundial da Saúde Mental, tenho de te confessar que me mete medo este marketing, misturado com as possibilidades infinitas da inteligência artificial. Não sou por natureza desconfiada, mas por que raio é que a Apple quer saber de mim, e que angustiante é quando já não houver ninguém de carne e osso à minha volta para me mandar dar uma curva quando estou rabugenta ou para me consolar se me vir triste?
Parece-me muito bem que nos ajudemos uns aos outros, e aos nossos filhos, a pôr legendas no que sentem, mas deixar que deleguem numa “máquina” já me parece má ideia.
Já estamos tão dependentes dos telemóveis, e falo por mim, que agora só me faltava fazer dele meu terapeuta!
Querida Mãe,
Hahah, bem pelo preço dos iPhones acho bem que também façam terapia!
Agora a sério, parece-me que está ao nível daqueles colares que usávamos em pequenas com uma pedra que mudava de cor consoante o que sentíamos, lembra-se? Ficava verde, se estávamos entusiasmadas, preto se estivéssemos zangadas e rosa — o que mais gostávamos! — se apaixonadas.
Estas coisas são um perigo para pessoas que, como eu e a mãe, dependemos tanto que os outros validem a forma como nos estamos a sentir. Sabe aquela sensação de precisar de ver no termómetro que temos febre para podermos justificar aos outros que nos temos de ir deitar? Como se o mal-estar ou as dores de cabeça não fossem justificativo suficiente sem um “atestado” oficial, sem o resultado de uma análise, de um diagnóstico, um nome, qualquer coisa que garanta que não somos histéricas nem mariquinhas.
E sim, é assim que as mulheres têm sido tratadas muitas vezes pela medicina e pelos médicos. Desvalorizando os seus sintomas, presumindo que é ou da ansiedade ou das hormonas. A quantidade de relatos sobre esta desvalorização é assustadora.
Mas vamos por partes. É um facto que as maiores vítimas de ansiedade, depressão e burnout são, de facto, mulheres, mas o que não vejo é fazer-se a correlação entre essa informação e a sobrecarga de trabalho dentro e fora de casa, nem com a carga mental que ainda carregam na organização doméstica e no cuidado dos filhos, a que, muitas vezes, se acrescenta o acompanhamento dos pais e sogros mais velhos.
São coisas a mais. Só isso. É demais.
Por isso, avanço para a segunda parte, que esquecemos tão facilmente:
- Não é possível manter a casa toda arrumada e organizada quando há tralha a mais.
- Não é possível sentirmo-nos menos assoberbadas quando, sozinhas, fazemos milhões de coisas em cada dia.
Esclarecido esse ponto, a pergunta é: Como é que nos podemos ajudar a nós próprias?
- Exigindo dividir com o marido o que é possível.
- Pedindo ajuda.
- Largando o que não é essencial — vi na internet uma pérola de sabedoria de uma mãe, que infelizmente já não consigo identificar. Dizia: “Comprometi-me a garantir que os meus filhos têm roupa lavada, mas não me comprometi a que não houvesse roupa suja em casa.”
Mãe, é um ciclo e, tal como o ciclo da água, todas as fases são válidas, incluindo a fase em que fica no cesto da roupa suja durante uns tempos!
Por isso a minha birra a favor da nossa saúde mental é esta, mãe! Menos! Menos, tralha, menos compromissos, menos exigências, menos people-pleasing, menos fretes, menos perfeição. Alinha?
E, de caminho, vamos lá dispensar o iPhone como barómetro, e vamos mas é ajudar os nossos filhos, os nosso pais e os nossos amigos a confiarem no que sentem. A confiarem que são especialistas no que sentem. Sem desvalorizar, reinterpretar ou distorcer. Vamos ouvir e aceitar o desconforto que esses sentimentos tantas vezes nos provocam, sem tentarmos logo varrê-los para debaixo do tapete.
Uf, estas birras fazem-me mesmo bem. Já me estou a sentir melhor!
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.