Tudo o que o cinema queer pode ser, agora no Batalha
Entre esta terça-feira e sábado, o centro de cinema portuense recebe a nona edição do Queer Porto. Filme de abertura cabe ao cineasta brasileiro Ricardo Alves Jr., Tudo o que Você Podia Ser.
Depois de um Queer Lisboa que premiou justamente Regra 34, da brasileira Júlia Murat, é também sob o signo do Brasil, país onde as questões de género e sexualidade são tema recorrente na moderna produção artística, que tem início, nesta terça-feira à noite (21h30), o 9.º Queer Porto - Festival Internacional de Cinema Queer. Patente no Batalha até sábado, 14, o festival inaugura com a segunda longa-metragem do cineasta e encenador mineiro Ricardo Alves Jr., que tem colaborado regularmente com João Salaviza (com quem co-dirigiu a curta Russa e, co-produziu Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos e A Flor do Buriti).
Tudo o que Você Podia Ser, que tem estreia internacional no Queer Porto, vai buscar o seu nome à canção de abertura de um dos maiores clássicos da música brasileira, Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges (1972), para acompanhar a “despedida” de Belo Horizonte de Aisha, interpretada pela actriz e performer Aisha Brunno, que vai estudar Ciências Sociais em São Paulo.
O filme é descrito como uma “docuficção”, definição que não apanha por inteiro a dimensão sedutora de um projecto que combina o olhar paciente do documentarista com a construção ficcional a partir de elementos reais: o elenco, composto por artistas e performers da comunidade artística LGBQTIA+ da cidade mineira, mantém os seus nomes “verdadeiros”, improvisando sobre as situações propostas para criar um atento retrato comunitário de uma família “escolhida” por oposição à família “de sangue”.
No fundo, trata-se de erguer uma espécie de “resistência passiva” a uma sociedade que não sabe como olhar para esta comunidade, resistência essa que consiste muito simplesmente em ser quem se é. Se o filme acaba pontualmente por tombar nas armadilhas do filme de tema, Tudo o que Você Podia Ser ganha-se por inteiro nos momentos mais intimistas, onde as “máscaras” sociais caem e toda a humanidade de Aisha, Bramma, Igui e Will emerge à superfície, com uma sinceridade e uma força que agarra o espectador. Extraordinárias, desde já, a cena da conversa de Bramma com a sua mãe (a actriz Docy Moreira), ou o jogo de verdade e consequência em casa de Igui.
É uma excelente abertura para esta nona edição do Queer Porto, que propõe ainda, vinda do Brasil, a primeira longa-metragem da paulista Carolina Markowicz, a sátira Carvão (sexta-feira 13 às 21h30) — a cineasta acaba de estrear em Toronto com óptimas críticas o seu segundo filme, Pedágio, co-produção portuguesa com O Som e a Fúria. Carvão estará na competição principal do Queer Porto, a par da muito falada comédia espanhola La Amiga de Mi Amiga, de Zaida Carmona (sexta-feira 13 às 19h15), ou do documentário do americano Ben Mullinkosson sobre um clube social da cidade chinesa de Chengdu, The Last Year of Darkness (esta terça-feira e quinta-feira 12, sempre às 17h00). Ao todo, serão oito longas a concurso.
Haverá ainda o prémio Casa Comum, atribuído a uma de oito curtas portuguesas a concurso, entre as quais Dias de Cama, de Tatiana Ramos (uma das revelações do último IndieLisboa), Dildotectónica, de Tomás Paula Marques ou Entre a Luz e o Nada, de Joana de Sousa.
Uma das mais interessantes propostas da programação é a retrospectiva No Present. No Future. No Wave, sobre o movimento No Wave da Nova Iorque dos anos 1970/1980, e em particular sobre a obra da cineasta mais proeminente do movimento, a irlandesa Vivienne Dick.
A cineasta, que estará presente no Porto, exibirá não apenas os seus filmes-chave da época, como Beauty Becomes the Beast ou She Had Her Gun All Ready, mas também títulos mais recentes como New York Our Time, Red Moon Rising ou The Irreducible Difference of the Other. O programa, essencialmente composto por curtas e médias-metragens rodadas nos períodos 1978-1983 e 2013-2020, inclui igualmente obras de contemporâneas como Bette Gordon (Empty Suitcases) ou o documentário Lydia Lunch: The War Is Never Over, de Beth B.
O encerramento (sábado 14 às 21h30) faz-se com o documentário de Jeffrey Schwarz Commitment to Life, sobre o papel central que a comunidade gay de Los Angeles teve no combate contra a epidemia de VIH/Sida nas décadas de 1980/1990.