Na Confeitaria Glória mora o “novo orgulho da Amadora”. Em breve vai chegar a Lisboa

Recém-aberta, a Glória ganhou o prémio de melhor pastel de nata de Lisboa. O segredo? “Não tem nada que saber”, dizem-nos. Pelo final do ano, esta “irmã” da Pastelaria Aloma vai estrear-se em Lisboa.

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O Melhor Pastel de Nata de 2023, da Área Metropolitana de Lisboa, mora na Amadora Rui Gaudêncio
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Na azáfama matinal da Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, na Amadora, os autocarros e táxis cruzam-se com velocistas a caminho do comboio. E, por estes dias, para ajudar ao movimento deste centro nevrálgico da cidade, há motivos redobrados para acorrer àquela avenida, onde mora a Confeitaria Glória. É que esta é mesmo uma nova estrela da Amadora, que, desde há uma semana, ostenta o prémio de melhor pastel de nata da área de Lisboa.

Quando aqui chegamos, o relógio marca as 8h32 e os clientes habituais já se misturam com curiosos, empresários, jovens de telemóvel em riste, idosos e crianças, num frenético entra-e-sai na modesta sala, com capacidade para cerca de 30 pessoas sentadas. No lado de fora, uma pequena esplanada, à face da estrada.

Há muitos doces na vitrina, dos mil-folhas às bolas de Berlim, passando por guardanapos e caramujos. Mas nenhum é tão aclamado, até no papel de parede e nos ecrãs, como o pastel de nata. São às dezenas em exposição, acabados de sair do forno. Quem entra na confeitaria depara-se com o tom acastanhado do folhado – que permite adivinhar o som estaladiço à primeira dentada – dentro do qual espreita a cobertura, com o seu creme pronto a libertar-se. Este é o principal convite a entregar a quem visita o estabelecimento, inaugurado e rebaptizado no final de Junho.

Para ser rei entre a nata destes pastéis, de fabrico próprio na Área Metropolitana de Lisboa, os pasteleiros da Confeitaria Glória trabalharam a receita da gerência anterior, fundiram a experiência profissional adquirida nas “casas” que serviram de escola, como a pastelaria Santo António ou a histórica (e encerrada) pastelaria Suíça, e cozinharam uma receita vencedora. Na fábrica subterrânea, entre tabuleiros e fornos, contam-nos que a abertura da massa, sempre manual, é uma das chaves para a “crocância” dos pastéis.

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A Confeitaria Glória venceu o concurso do melhor pastel de nata de Lisboa de 2023 Rui Gaudêncio

De resto, “não tem nada que saber”, simplificam: preparar a massa do folhado e deixar “descansar”, esticada; cortar, moldar às formas e levar a massa ao descanso no frigorífico; preparar o creme e deixar à temperatura ambiente; por fim, preencher a massa. Depois, o forno fará a sua magia.

“Cuidado!”, ouve-se no espaço pequeno, enquanto sai mais uma fornada com, pelo menos, 40 pastéis de nata. Contudo, aquela tela, ainda a ferver, não detém o olhar dos apressados pasteleiros, já habituados aos “belos e apetitosos pastéis, diferenciados” entre a concorrência.

Agostinho Figueiredo e Paulo Galvão são pasteleiros na confeitaria e acumulam 15 e 25 anos de experiência, respectivamente Rui Gaudêncio
Agostinho Figueiredo leva os pasteis ao forno Rui Gaudêncio
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Agostinho Figueiredo e Paulo Galvão são pasteleiros na confeitaria e acumulam 15 e 25 anos de experiência, respectivamente Rui Gaudêncio

Ainda assim, ressalvam, os últimos dias têm sido “uma loucura”, face à febre instalada. É uma honra que dá alento, garantem, mesmo que tal exija triplicar a produção, pois os 300 pastéis diários já não são suficientes para satisfazer tamanha procura. Por isso, a rotina laboral, iniciada antes das seis da manhã, está ainda a começar.

Uma surpresa salgada

Se espera encontrar os pormenores sagrados deste sucesso na receita, desengane-se. “A massa leva farinha, água, sal e margarina, tudo produto nacional”, conta o proprietário da confeitaria, João Castanheira, enquanto nos despedimos dos experientes pasteleiros. Quanto ao creme, prossegue, enquanto procuramos uma mesa livre, “as pessoas muitas vezes dizem que sabe a algo que nem faz parte da receita, como limão”.

Aos 44 anos, o empresário orgulha-se por, pelo quarto ano, vender o melhor pastel de nata lisboeta, depois de três conquistas ao leme da Pastelaria Aloma, que gere desde Dezembro de 2009. Já instalado, e com um pastel de nata no centro da mesa, João Castanheira sublinha que a massa deste “novo orgulho da Amadora” se diferencia, por exemplo, pelo tempo de fervura e pela temperatura da cozedura.

Um dos segredos para o sucesso está nas mãos de quem compõe e recheia o pastel de nata Rui Gaudêncio
Um dos segredos para o sucesso está nas mãos de quem compõe e recheia o pastel de nata Rui Gaudêncio
O grupo Aloma Distribuições conta com uma equipa de várias nacionalidades Rui Gaudêncio
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Um dos segredos para o sucesso está nas mãos de quem compõe e recheia o pastel de nata Rui Gaudêncio

Para lá dos segredos, as mãos de quem compõe o pastel são outro factor chave, pelos jeitos dos dedos que moldam a massa, que se quer preparada para abraçar – e até trancar – o creme. Além disso, acrescenta João Castanheira, para vencer um concurso de tal gabarito há que aprimorar a aparência do pastel, para que os olhos sejam os primeiros a devorar o doce.

“O pastel é muito bonito, ora prove lá”, convida, sob o olhar atento da fila que se estende até à entrada da confeitaria. À primeira dentada, a massa – com um surpreendente travo salgado – estilhaça sem oferecer resistência, libertando, de seguida, a cremosa pasta amarela, numa porção generosa. O melhor será aproveitar estes escassos segundos porque, num ápice, a gula apodera-se do pastel.

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O melhor pastel de nata de Lisboa mora na Amadora Rui Gaudêncio

Do sonho nasce o “empurrão” para o sucesso

A história da Confeitaria Glória remonta ao final de Junho, quando João Castanheira comprou o espaço, outrora Casa Rei, encerrada desde o princípio do ano. E porquê Glória? Uma simples referência ao elevador que liga a Baixa lisboeta ao Bairro Alto, “um elemento histórico da cidade” e um nome cativante.

Juntando este estabelecimento a outros três da Pastelaria Aloma, em coexistência no grupo Aloma Distribuição, João Castanheira tinha vários objectivos definidos antes da inauguração. Um deles foi, em cima do prazo limite, concorrer ao Melhor Pastel de Nata de Lisboa. Até porque, sublinha, está no negócio para vencer e sem tempo para desacelerar.

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O ritmo é frenético na fábrica da Confeitaria Glória Rui Gaudêncio

Nesta aventura, que dura há quase 19 anos, João Castanheira gaba-se por reunir “as pessoas certas”, entre pasteleiros, pessoas de balcão e fornecedores, resultado do contínuo e minucioso estudo de mercado. Mas, para este trunfo abrir caminho ao sucesso, a equipa terá continuar a inovar, entre tentativas e erros.

“Nunca haverá um ponto final, há que experimentar novos métodos nas voltas da massa ou tentar novas combinações”, explica o gerente, ilustrando essa ambição com o paladar dos espanhóis e franceses, adeptos do pastel de nata com chocolate, maçã ou frutos vermelhos no creme. Foi uma aposta ganha na exportação, mas menos famosa por cá, incapaz de derrubar a tradição.

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A Confeitaria Glória chegará à cidade de Lisboa pelo final de 2023 Rui Gaudêncio

Em todo o caso, a ousadia em sonhar culminou na rápida consagração da “irmã mais nova” do grupo Aloma, um impulso para cumprir o próximo passo: abrir uma filial da Glória em Lisboa, pelo final do ano. E a convivência entre a Confeitaria Glória e Pastelaria Aloma é saudável?

“Esta é uma casa nova, havia muito por fazer e precisava de um empurrão. A Aloma é uma casa já conceituada, fundada em 1953 [no bairro de Campo de Ourique] e com vários prémios”, esclarece. Até porque, sorri João Castanheira, se o debate recair entre o pastel de nata da Aloma ou da Glória, então o lucro será sempre do grupo.

A conquista da Glória valeu a revisão do preçário

O relógio aproxima-se das 10 da manhã, e pela Confeitaria Glória já se planeia a hora de almoço. Sim, explica o gerente, esta é também uma casa de refeições, na qual a sobremesa é brindada com um pastel de nata, geralmente acompanhado pelo café.

A azáfama deverá desvanecer, apenas, depois das 20h, quando as portas fecharem, para dar descanso à acolhedora sala. Até lá, a vitrina continuará pintada entre tons de amarelo, com o novo rei dos pastéis de nata lisboetas em destaque. E o preço até diminuiu para um euro e 10 cêntimos, revela João Castanheira, enquanto passa o olhar sobre alguns preçários que poderão ainda assinalar “1,20€”.

O prémio de Melhor Pastel de Nata de Lisboa foi atribuído na última segunda-feira durante o Congresso dos Cozinheiros, em Oeiras. No princípio do mês. As decisões pertenceram ao júri presidido pelo gastrónomo Virgílio Gomes e composto por Wilson Honrado (Rádio Comercial), Catarina Amado (Edições do Gosto), Andreia Moutinho (pasteleira), Domingos Soares Fraco (enólogo), António Marques Santos (Academia Portuguesa de Gastronomia), Teresa Castro (pasteleira), Isabel Zibaia Rafael (autora), David Jesus (cozinheiro e padeiro) e Maria Brito (gastrónoma).

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A Confeitaria Glória foi inaugurada no final de Junho e já venceu o galardão de melhor pastel de nata de Lisboa Rui Gaudêncio

Além do pastel de nata da Confeitaria Glória, o pódio foi adoçado pela Padaria da Né, também da Amadora e vencedora em 2021, e pelo Pãozinho das Marias, da Ericeira e vencedora em 2017.

No trono do Olimpo dos pastéis de nata permanece, intocável, a Aloma, vencedora do concurso em 2012, 2013 e 2015, triunfos aos quais se junta o segundo lugar em 2019, 2021 e 2022. Nenhum outro vencedor do galardão, entregue desde 2009, conseguiu tal proeza por mais que uma edição.

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