Porque é que as pessoas jogam a “raspadinha”?
A fórmula deste tipo de jogo é, lamentavelmente, vencedora para causar adição: é muito fácil de se obter e de se jogar, é rápido e é barato.
Foi apresentado um estudo do Conselho Económico e Social (CES), em parceria com a Escola de Medicina da Universidade do Minho, que concluiu que cerca de 100 mil portugueses apresentam problemas ligados ao jogo, sendo que 30 mil relacionavam-se com o jogo patológico.
Este estudo encontrou, dentro do grupo onde a adição é acentuada, pessoas com problemas de saúde mental, nomeadamente stress, ansiedade e depressão, além de uma tendência à impulsividade e aos comportamentos de adição. Além disso, há uma tendência maior para o consumo de álcool, café, tabaco e outras substâncias neste grupo, deixando clara a maior vulnerabilidade, sobretudo no que se relaciona com a desinibição e com a tomada de decisão.
Torna-se urgente discutir os dados que resultaram deste estudo associados ao funcionamento humano, de modo a regular os jogos de azar e proteger as pessoas que apresentam mais dificuldade em controlar o comportamento de jogo, sem, no entanto, ir contra os seus direitos. A regulamentação, a prevenção, um tratamento acessível a todos os que estão dependentes e a educação sobre os fatores que estão associados ao jogo compulsivo são pontos a ter em conta para consciencializar a população e reduzir este fenómeno que tem um impacto negativo na vida da pessoa e da sua família.
Trata-se de uma dependência específica (do jogo instantâneo) com características próprias que, na maior parte das vezes, não é reconhecida rapidamente por quem tem o problema, e, quando isto acontece, surge a vergonha de o assumir perante os outros, reduzindo a probabilidade do consequente pedido de ajuda.
Porque é que as pessoas aderem à "raspadinha"?
Pela falsa sensação de ganho imediato, sobretudo para quem tem dificuldade em adiar o prazer. São os portugueses em situação de maior vulnerabilidade os mais afetados, nomeadamente os que têm rendimentos mais baixos, menos habilitações académicas e os mais velhos.
Dadas as suas dificuldades económicas, estas pessoas sentem a necessidade de obter um rendimento extra, que, quando associada a uma leitura enviesada sobre a real probabilidade de ganhar nos jogos de azar, faz com que recorram a estes jogos de cariz imediato.
Efetivamente, há quem acredite que, se jogar todos os dias, um dia há-de ganhar, e, quando ganha, sente que afinal tinha razão, ignorando as contas do quanto perdeu antes de ganhar. Além disso, há outras distorções relacionadas com o jogo, como a ideia do controlo e a subestimação dos valores gastos. Frequentemente, as pessoas acham que têm tudo sob controlo, mostrando dificuldade em reconhecer o problema, e que só jogam quando querem e gastam pouco, quando a realidade é exatamente o contrário.
Pela facilidade e rapidez. A fórmula deste tipo de jogo é, lamentavelmente, vencedora para causar adição: é muito fácil de se obter e de se jogar, é rápido e é barato. Além disso, gera uma sensação de bem-estar imediato e, socialmente, foi considerado, durante quase 30 anos, como uma espécie de norma social aceite, havendo vários pontos de venda espalhados em cada canto da cidade, em quiosques, tabacarias e lojas. Tomar um café e comprar uma "raspadinha" é algo que qualquer um de nós já assistiu ou fez. O problema surge quando este comportamento se torna frequente e a sua ausência causa sofrimento.
Pela gratificação que lhe está associada. As pessoas podem iniciar o jogo pela expectativa de ganhar algum dinheiro extra, como já referido, porém, acabam por mantê-lo pela espera de uma recompensa rápida e pelo prazer associado. Além disso, as "raspadinhas" têm um tipo de reforço que é muito poderoso, o reforço intermitente, que faz com que as pessoas estejam sempre a tentar, já que em algum momento acabam por ganhar alguma coisa, mesmo que seja pouco.
Pela necessidade de recuperar depois de perder. Quando as pessoas sentem que estão a perder muito, criam a necessidade de voltar a jogar, com a ilusão de que vão recuperar o dinheiro perdido, gerando uma bola de neve difícil de lidar. A partir daqui começam a gastar mais, a mentir e a ter comportamentos mais emocionais e compulsivos que resultam, muitas vezes, em disfuncionalidade e em relações abaladas, sobretudo nos casos em que haja uma perturbação instalada.
Pedir ajuda pode ser difícil, mas não deve ser visto como vergonha, mas como um primeiro passo importante para uma vida mais satisfatória.
A autora escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990