Inês Sousa Real não fecha a porta a Montenegro para ser “tampão” ao Chega

A líder do PAN diz que o partido não tem “medo” de assumir responsabilidades. A “única linha vermelha” será sempre o Chega, garante a deputada única.

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A líder do PAN defende que o partido não podia desperdiçar a oportunidade de influenciar o governo de direita na Madeira, daí o acordo com Miguel Albuquerque, e avisa António Costa que já tem pronto o caderno de encargos para o próximo Orçamento do Estado. Em entrevista ao PÚBLICO-Renascença, que pode ouvir esta quinta-feira na íntegra, Inês Sousa Real queixa-se que “a maioria absoluta não tem dado pleno respeito àquilo que tem sido a máxima de António Costa da ‘palavra dada, palavra honrada’”.

O PAN tem votado na Assembleia da República ao lado do PS nas principais votações (moção de rejeição de Governo de Passos, moções de censura ao Governo PS, nunca votou contra um orçamento de António Costa, foi pela abstenção ou a favor). Agora faz um acordo com Miguel Albuquerque. Pode-se dizer que o PAN é uma espécie de partido facilitador?
O PAN está do lado dos portugueses. Somos um partido de causas e, ao sermos um partido de causas, que tem uma ideologia muito centrada naquilo que é a preocupação com a defesa do ambiente, da natureza, da protecção animal, mas também dos direitos humanos e sociais que cada vez mais estão ameaçados, até do ponto de vista democrático, não temos medo de assumir as responsabilidades num momento em que somos chamados a fazê-lo. Fizemos isso em 2015 e demos a oportunidade a António Costa de apresentar um novo orçamento após uma pandemia. E fomos bastante críticos daquilo que foi a falta de compromisso por parte das outras forças políticas, quando dissemos todos nós que não iríamos faltar ao país.

Na Madeira, é uma solução de incidência parlamentar que acaba por trazer de forma positiva uma visão mais jovem e mais actual perante os desafios do nosso tempo, com a preocupação do combate à crise climática, a habitação para os mais jovens, a igualdade, a protecção dos animais. Não temos medo da responsabilidade quando somos chamados a isso. Até porque o PAN também foi aqui um tampão para o Chega, que sabemos que tem tentado ascender ao poder. Não contem com o PAN para não contribuir de forma positiva para a nossa democracia. Muito pelo contrário.

O PAN não tem receio de ser visto como um partido vendido ao poder ou uma espécie de partido cata-vento?
O PAN não só não se vendeu ao poder, como está comprometido com os portugueses, neste caso em concreto com os madeirenses e porto-santenses. O PAN não fez um acordo de coligação governativa. Não vamos para nenhuma secretaria, não vamos ter nenhum cargo governativo na Madeira. Temos um acordo de incidência parlamentar com um caderno de encargos em que têm que ser cumpridas várias medidas que visam contribuir para avançar a qualidade de vida dos madeirenses e porto-santenses, que vão desde o passe-saúde ao Centro de Juventude no Caniço, à protecção da laurissilva.

Além de que não nos podemos esquecer que quebrámos com o totalitarismo que existia na Madeira. Deixámos de ter um governo de maioria absoluta e não podemos num dia deixar de ter um governo de maioria absoluta e dizer que não estamos disponíveis para quebrar este totalitarismo.

As causas do PAN, seja em matéria de igualdade, seja em matéria de protecção animal ou ambiental, deveriam ser transversais ao espectro político. A dicotomia esquerda/direita já está muito ultrapassada. As pessoas já estão um pouco cansadas. Muitas vezes, isso acaba por não dar resposta aos seus problemas. Não estamos num campeonato para ver quem é que faz mais vozearia dentro do Parlamento. Contam com o PAN para dar soluções para o país, para a Região Autónoma da Madeira.

Há um espectro político em Portugal que tem estado vazio, que é o centro, seja o centro-direita, seja o centro-esquerda, e o PAN, tendo políticas sociais tão marcadas, nomeadamente no que diz respeito aos direitos das mulheres, à igualdade, ao combate à pobreza e à exclusão social, às múltiplas formas de discriminação, jamais poderia deitar a toalha ao chão e não assumir a responsabilidade que os madeirenses nos deram.

Não é contraditório ter estado ao lado do Governo socialista no Parlamento e ao mesmo tempo ajudar a viabilizar um governo de direita na Madeira?
De forma alguma. Desde que as nossas causas e princípios sejam respeitados.

No Congresso de Tomar, o PAN assumiu a vontade de fazer parte de um futuro governo na República. Na Madeira, não houve vontade para fazer parte do governo?
Aquilo que o PAN assumiu não é uma questão de vontade, é uma questão de disponibilidade do PAN para, se necessário fosse, travar a extrema-direita. Assistimos nestes últimos anos a uma ascensão, não apenas em Portugal, da extrema-direita e olhamos com preocupação para este fenómeno do ponto de vista da democracia e do retrocesso que isto pode representar para os direitos humanos, em matéria de protecção animal e ambiental.

Ao longo destes 13 anos, o PAN tem tido uma visão mais macro da sociedade. Temos apresentado propostas sobre escalões de IRS, propinas, habitação. É uma evolução que temos feito, sem prescindir das nossas bandeiras.

Quando diz que o PAN não tem medo e que, ao mesmo tempo, é um tampão ao Chega, isso significa que num futuro quadro de eleições legislativas o PAN estaria disponível para fazer aquilo que fez na Madeira? Negociar com uma maioria de direita para tentar encontrar uma solução de estabilidade?
O nosso primeiro compromisso será sempre, em primeiro lugar, com as causas e valores que representamos e para com o nosso eleitorado e os portugueses. Não sabemos que valores estão a ser representados por putativos candidatos às eleições. O PAN só tomou esta decisão na Região Autónoma da Madeira após os resultados eleitorais, não tinha havido qualquer contacto anterior. Portanto, não vamos estar aqui a fazer futurologia.

As políticas que têm sido postas em marcha, quer à direita quer à esquerda, quer pelo PS quer do PSD, não têm divergido assim tanto na hora da verdade. Votam alinhados uns com os outros e o resultado é o mesmo. Temos agora uma oportunidade nova na Madeira de fazer diferente e, portanto, o PAN vai aproveitar.

Mas que fique bem claro: não hesitaremos em qualquer momento, caso o acordo não seja cumprido, em retirar as consequências políticas disso e retirar o acordo de cima da mesa.

Não fecha a porta a Montenegro, se ele quiser sentar-se para negociar?
Quando, em função dos resultados que houver, algum partido que esteja em condições de poder propor e se reunir com as demais forças políticas para formar o governo, faremos a avaliação daquela que é a sua agenda política.

Há uma linha vermelha muito clara para nós, que é em relação ao Chega. Nós jamais daremos a mão a um partido que viabilize ou que queira fazer uma coligação com o Chega.

Na noite eleitoral na Madeira, Luís Montenegro disse exactamente isso: que traçava essa linha vermelha de governar com o Chega. Foi um bom sinal para o futuro?
É preciso mais. Não basta a nível regional que essa questão seja afastada.

Luís Montenegro falou não só da Madeira, mas também do país.
Temos andado num jogo político muito perigoso, que tem sido um pouco dúbio em relação àquilo que é a relação com o Chega, quer do PSD quer do PS. Não podemos ter o país a viver sob uma política do medo em função do crescimento do Chega. Os portugueses precisam de respostas e soluções para a melhoria da sua qualidade de vida. Precisam de mais e melhor habitação. Não precisam de pacotes que acabam por ser uma ilusão. Precisam de melhores transportes públicos, fazer uma transição energética verdadeiramente limpa.

O acordo na Madeira inclui algum tipo de acordo para votações de moções de censura e de confiança?
O acordo na Madeira é um acordo abrangente que inclui não apenas as medidas que o PAN se propõe apresentar, mas também aquilo que será o escrutínio que o PAN terá direito a fazer à acção governativa, sendo que o PAN traz sempre a liberdade de analisar o Orçamento e decidir o seu sentido de voto.

Foto
Inês Sousa Real, lider do PAN e deputada na Assembleia da Républica Rui Gaudêncio

Miguel Albuquerque está nas mãos do PAN?
Não se trata de estar nas mãos do PAN. A Madeira, neste momento, tem uma oportunidade de ter uma nova visão, mais jovem, mais fresca. Falamos tantas vezes na necessidade de renovação geracional.

Qual o calendário da medida da taxa turística em toda a região? Será para o próximo ano?
Ainda vamos estabelecer as metas do ponto de vista orçamental.

Elementos da oposição interna do PAN dizem que este acordo foi feito à revelia da comissão política nacional e que vai contra os estatutos aprovados por esta direcção. Como é que responde a estas críticas?
Só hoje [quarta-feira] irá haver uma reunião precisamente para esse feito, para que seja dado a conhecer, seja ratificado o acordo na comissão política nacional. Temos de respeitar a autonomia do PAN-Madeira. Não podia ser ao contrário. Não houve qualquer tipo de atropelos.

Já houve conversas com o Governo para o Orçamento do Estado (OE) para 2024?
Ainda não. O PAN já solicitou efectivamente algumas reuniões e já sinalizou ao primeiro-ministro que há matérias que vão desde a questão da actualização dos escalões de IRS para aliviar as famílias ao IVA zero ou redução do IVA para alimentação e para os serviços médicos veterinários para os animais que vão ser imprescindíveis.

O Governo tem maioria absoluta e, portanto, não há de facto o mesmo poder negocial perante uma maioria absoluta que existia com um governo que dependia do voto de outras forças políticas. Mas o primeiro-ministro, António Costa, sempre disse que palavra dada era palavra honrada.

Das medidas do PAN aprovadas pelo PS no último OE, o que é que falta pôr em prática?
Alargar a tutela penal a todos os animais e não só aos de companhia; regulamentar os ecossistemas; a rede de hospitais públicos veterinários; o milhão de euros para os centros de animais selvagens.

Ao longo destes sete anos, o PAN tem sido respeitado por António Costa?
Uma coisa é o Governo de António Costa, outra coisa é a bancada parlamentar. A maioria absoluta não tem, de facto, dado pleno respeito àquilo que tem sido a máxima de António Costa da palavra dada, palavra honrada”. Com a reposição dos debates quinzenais e com este OE, esperamos voltar a ver um governo mais dialogante.

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