O irresolúvel caso do túnel escuro, feio, malcheiroso e grafitado de Alcântara
A travessia inferior sob a Avenida da Índia e a Linha de Cascais está há uma década com as escadas rolantes avariadas. Responsabilidades dividem-se entre a IP e a Câmara de Lisboa.
Que razões explicam que as escadas rolantes da estação de Alcântara-Mar estejam há anos paradas? Esta foi uma das perguntas que, entre 14 de Agosto e 14 de Setembro, o PÚBLICO fez à IP por diversas vezes, sem nunca ter obtido resposta.
O autocolante com o aviso de que aquele equipamento está fora de serviço ainda tem o símbolo da Refer, empresa extinta em 2015 quando foi fundida com a Estradas de Portugal, formando assim a IP – Infra-Estruturas de Portugal.
Durante estes anos, os passageiros da Linha de Cascais que ali entram e saem habituaram-se a não contar com as escadas rolantes, em linha, aliás, com a degradação de toda a passagem inferior que liga a Avenida da Índia à Avenida de Brasília. Aquela travessia subterrânea é uma experiência pouco recomendável, com as paredes integralmente grafitadas, cheiro a urina e iluminação deficiente.
A coisa assume proporções de filme de terror para quem percorre aquela passagem durante a noite, quando a segurança é praticamente inexistente, pois os agentes da PSP para ali destacados terminam o turno às 21h00.
Não admira, assim, que, do lado oposto, as escadas rolantes que dão acesso a Alcântara-Terra e ao Hospital da CUF também não funcionem. Mas essas já não são responsabilidade da IP, mas sim da Câmara de Lisboa.
Entre umas e outras, parece haver um território de ninguém, característico de uma zona de guerra.
Fonte oficial da IP disse ao PÚBLICO que as escadas rolantes de acesso à estação de Alcântara-Terra “têm vindo a apresentar avarias recorrentes” e que, “visando melhorar as condições de acesso às plataformas, especialmente para as pessoas com mobilidade reduzida, a IP encontra-se a desenvolver um projecto de execução que contempla a substituição destas escadas rolantes por elevadores”.
E mais não disse. Várias perguntas do PÚBLICO, sobre a calendarização desse projecto, qual o seu custo, se está integrado na modernização da Linha de Cascais e por que motivo há uma década que as escadas estão sem serviço, ficaram sem resposta.
A IP também não respondeu a uma equação difícil de resolver. Com o futuro acesso às plataformas da via-férrea em elevador, como podem as pessoas com mobilidade reduzida sair da passagem subterrânea se em ambas as extremidades não houver também elevador?
Por parte da Câmara de Lisboa, as respostas são mais completas. Fonte oficial do município diz que este “está a trabalhar em conjunto com a IP e a Administração do Porto de Lisboa para encontrar uma solução que permita reabilitar, requalificar e tornar acessível a passagem pedonal inferior de Alcântara”. Para já, este projecto encontra-se ainda “em fase de estudo prévio”, mas uma das acções será “a criação de rampas, garantindo assim o acesso universal na entrada norte, onde existem neste momento escadas rolantes [que não funcionam], e na entrada sul [Avenida de Brasília], onde não existem escadas rolantes”.
Altos e baixos
A travessia pedonal entre as duas estações de Alcântara (Terra e Mar) nunca foi um bom exemplo de intermodalidade nem de boa prática na mobilidade urbana. Teve altos e baixos e projectos fracassados, como foi o caso do interface inaugurado em 1991 pelo então ministro das Obras Públicas, Ferreira do Amaral, que ligava as duas “Alcântaras”. Tratava-se de uma estrutura metálica elevada, de 500 metros, com escadas e tapetes rolantes e que também dava acesso a um supermercado.
Nessa altura assinalava-se também o regresso dos comboios de passageiros a Alcântara-Terra, que até então era uma estação exclusivamente para mercadorias. Mas a fraca procura e, sobretudo, a falta de manutenção levaram a que rapidamente o interface entrasse em declínio.
A experiência durou até 2008, mas teve uma morte lenta porque já em 2005 se dizia que os tapetes e as escadas rolantes se avariavam frequentemente, o que levou à demolição daquela estrutura.
Apesar da pouca frequência de comboios de Alcântara-Terra para a Linha da Cintura, com apenas dois comboios por hora em cada sentido e nenhum aos fins-de-semana, para muitos passageiros vindos da Linha de Cascais esta é a melhor forma de chegar à parte alta da cidade sem ter de ir apanhar o metro ao Cais do Sodré. A travessia tem hoje um caminho pedonal em boas condições, mas que esbarra na passagem inferior infecta que é preciso vencer para se chegar a Alcântara-Mar ou à Avenida de Brasília.
O desnivelamento da via-férrea naquela zona, que permitiria ter comboios directos da Linha de Cascais para a da Cintura (e que implica a construção de uma estação subterrânea em Alcântara), é um dos projectos inscritos no PNI2030. Segundo o Governo, custará 200 milhões de euros e seria construído entre 2023 e 2027, mas, tal como a maioria dos empreendimentos desse plano de investimentos, ainda nem passou da fase de estudos.