Senha A ou senha B? O passe para estudantes da Carris e o formulário 400

Nunca se prepara o regresso às aulas a tempo e horas, como se houvesse a secreta esperança de que setembro nunca chegue.

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Eduardo Moser/sandradesign
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Querida Mãe,

Sei que está a trabalhar, mas acha que consegue ir à secretaria da escola pedir o formulário 400? E depois pode passar na Carris para tratar do passe das miúdas? Mas não se deixe enganar pela senha A, aquela que diz “Carregar o cartão” (apesar de já ter o cartão físico válido e de apenas pretender pôr lá dinheiro), porque senão vai ficar 40 minutos à espera para descobrir que afinal era a senha B. Não que, na realidade a A não servisse, mas implicava, imagine-se, “Ter de mexer no sistema”.

Ah, sei que tem muito que fazer, mas é melhor estar lá às 8h e tirar a manhã porque o centro de atendimento só tem uma senhora (a fazer o melhor que pode, coitada), a quem compete a missão de atender basicamente toda a comunidade de Sintra, incluindo todos os miúdos que recomeçam as aulas e que estão todos ao mesmo tempo a tratar do passe. “Pois, esta geração deixa tudo para a última da hora”, só que não... porque precisaram de esperar até setembro para receber o tal formulário 400, sem o qual não podiam ter o passe com o desconto de estudante.

Ah, ainda não sabe o que é o formulário 400? Que seca, é preciso explicar tudo. É um papel para comprovar que está matriculada na escola e não usufrui do transporte escolar. E tinha de ser em papel? Claro! Porque a Carris está muito empenhada na sustentabilidade, daí necessitar do papel físico — mas, contenha-se, não abra a boca de espanto quando a senhora o digitalizar à sua frente “para o poder inserir no sistema”. O cérebro disto tudo é sempre o “sistema”, e pelos vistos há digitalizações e digitalizações.

Mas, também, se não fosse preciso o papel — e vivêssemos numa utopia futurística em que se pudesse, sei lá, fazer o download do documento diretamente da Internet, as pobres senhoras da secretaria não sentiriam este caos em setembro, e não correriam o risco de um esgotamento e, mãe, afinal o que é setembro sem esta adrenalina?

O quê? Se não se podia fazer isto online? No século XXI? Que disparate! Vê-se mesmo que a mãe é de uma outra geração.

Ah!, já agora, como aquilo é num sítio chato para estacionar é melhor não levar o carro e ir de autocarro. Ah, bolas, mas a mãe também ainda não tem o passe...

Boa sorte!


Querida Ana,

A minha tensão arterial não me permite substituir-te nesta tarefa, desculpa. Fico mesmo com os nervos em franja com a burocracia e a farsa dos simplexes, que continuam a consumir horas de vida das pessoas.

Já reparaste que há duas coisas que apanham sempre de surpresa os nossos governantes: o regresso às aulas e a chuva!

Nunca se prepara o regresso às aulas a tempo e horas, como se houvesse a secreta esperança de que setembro nunca chegue. Nem se desentopem as valetas das ruas durante o verão, esquecidos de que este é um país onde, apesar de tudo, ainda chove. Reparaste que, ainda na semana passada, o primeiro-ministro veio anunciar, com toda a pompa, que os passes para os estudantes até aos 23 anos vão ser gratuitos? Pois, a partir de... janeiro, quando as aulas começam agora e pareceria uma medida lógica para implementar logo no início das aulas. Mas, lá está, quem é que garantia que um novo ano escolar aconteceria realmente?

A propósito, será que vamos precisar de um formulário 401 para consumar a operação, caso a propaganda se transforme em realidade?

Falando muito a sério, o que me faz ainda mais confusão é não haver consciência de como estas horas perdidas assassinam a produtividade nacional num círculo vicioso que nos arruína?

Por tudo isto devolvo-te o desejo de “Boa Sorte”, porque sei que esta é apenas uma das muitas “filas” que esperam as mães e os pais. E, por favor, faz mais Birras. Pelo menos a catarse alivia o nível de cortisol e evita mais úlceras.

Beijinhos


Com o Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Depois das férias de Verão de 2023, estão de volta com uma nova temporada repleta de birras.

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