Os horários dos netos estão demasiado preenchidos

Um inquérito nos EUA revelou que os pais e filhos que tiveram de cortar nas atividades confessavam-se radiantes com a descoberta do prazer que lhes dava estarem juntos em casa. Sem fazer nada.

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EDUARDO MOSER/SANDRADESIGN
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Querida Ana,

Este é o tempo em que as avós começam a fazer birras por causa dos horários demasiado preenchidos dos netos.

“Não têm nada a ver com isso”, respondes tu. E, em teoria, tens razão. Mas, na prática, tudo o que tenha a ver com a felicidade das criaturas que, por mero acaso, foram vocês a dar à luz, nos importa. Além de que, muitas vezes, são depois os avós que os levam à natação, ao futebol, à patinagem e à música, numa maratona de que saem todos exaustos.

Só para saberes, sou contra. Um inquérito feito nos EUA revelou que os pais e filhos que tiveram de cortar nas atividades extracurriculares em consequência da crise económica — e durante da pandemia — confessavam-se radiantes com a descoberta do prazer que lhes dava estarem juntos em casa. Sem fazer nada. Cada um para seu lado, com a sua atividade, mas sob o mesmo teto.

Temos a mania de achar que a escola não cansa, mas a escola é um emprego a tempo inteiro, que alia não só o horário em que desejavelmente queimam neurónios a aprender, como obriga a gastar toneladas de energia a gerir as relações entre pares (então para as raparigas, aquelas ancestrais intrigas entre amigas desgastam até à medula). E, se é verdade que uma atividade apaixonante pode descontrair e servir para espairecer a cabeça, não me parece que uma catrefada delas possa ter grandes benefícios.

É claro que cada família sabe de si, Ana, mas estou como a minha mãe que dizia que quando tivéssemos idade para ir e voltar pelo nosso próprio pé que nos matriculássemos naquilo que quiséssemos (desde que o dinheiro chegasse), mas que até lá que nos entretivéssemos por casa.

Era a sabedoria de quem tinha oito filhos, e parece-me que funcionou bem. Até porque algum tédio só faz bem, estimula a imaginação: se calhar é por essas e por outras que gosto tanto de escrever.


Querida Mãe,

Concordo a 100%.

Claro que, por vezes, a escolha não é entre fazer a atividade vs ficar em casa com os pais e irmãos — que teria benefícios —, mas sim entre ficar num ATL na escola ou numa atividade divertida. E, nesse caso, o equilíbrio dos pratos da balança pode ser diferente.

Mãe, mas, para além desse tempo para não fazerem nada — sem terem de seguir orientações e cumprir expectativas —, é preciso não cair no erro de entrar numa “lógica” do género: “Como ele tem que ficar sentado seis horas por dia, precisa da ginástica para compensar o tempo em que esteve parado e, logo de seguida o yoga porque o ajuda a descontrair do stress em que anda, mas como descontração a mais também não é bom, o melhor é inscrevê-lo no xadrez, para estimular o cérebro.”

Vamos ser honestos: os miúdos deveriam andar na rua e a brincar grande parte do dia. Não precisavam, nem ganham nada, com tantas horas “académicas”, que, no fundo, existem porque os pais trabalham também muito, levando-nos a preencher o horário com matéria (muitas vezes palha!) para justificar dias escolares mais longos.

Por isso, mãe, muito sinceramente, votava em que tivessem aulas de manhã, e o período da tarde fosse de atividades extracurriculares, mas integradas no horário da escola!


Com o Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Depois das férias de Verão de 2023, estão de volta com uma nova temporada repleta de birras.

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