Portugal passou a tratar a elite do râguebi por “tu”

No jogo de estreia do Campeonato do Mundo de râguebi, os “lobos” deram muitos problemas ao País de Gales, perdendo por apenas 8-28.

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Rodrigo Marta contra o País de Gales em Nice World Rugby
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A estatística dava 5% de hipóteses a Portugal de conseguir, em Nice, vencer pela primeira vez um jogo num Campeonato do Mundo de râguebi. Todavia, no relvado, os “lobos” mostraram que valem muito mais do que isso. Com uma exibição e valentia que surpreendeu os galeses - em esmagadora maioria nas bancadas do estádio -, a selecção nacional foi superior aos britânicos em muitos períodos do jogo, marcou um ensaio por Nicolas Martins e, apenas na “bola de jogo”, o País de Gales garantiu o objectivo que procurava: alcançar o ponto de bónus ofensivo. A curta derrota (8-28) confirma a evolução do râguebi português e deixa excelentes indícios para o resto da competição.

Há 16 anos, em Saint-Étienne, a selecção portuguesa foi recebida no Mundial 2007 quase como uma “espécie exótica” que tentava invadir o restrito grupo da elite do râguebi. Numa altura em que a modalidade já se regia pelos mais altos padrões de profissionalismo, surgir uma “alcateia” de amadores a querer competir olhos nos olhos com os melhores foi motivo de admiração e de elogios na imprensa internacional especializada. Mas apenas isso.

Na estreia, contra a Escócia, a bravura dos “lobos” permitiu que no início da segunda parte os portugueses estivessem perto de colocar a diferença em curtos 11 pontos (28-17) – a jogada deixou dúvidas, mas o árbitro invalidou um segundo ensaio de Portugal. Pouco depois, aconteceu o que foi regra em 2007: a partir da hora de jogo, as pernas portuguesas, que não tinham sido formatadas para a intensidade de um Mundial, fraquejavam. Seguia-se um festim de ensaios dos rivais, que mascarava no marcador final a resistência dos “lobos”.

Desta vez, em Nice, o enredo para nova página de glória para o râguebi português arrancava com uma história que encontrava poucos pontos em comum com 2007. Tirando o palco ser o mesmo (França), o primeiro adversário ser britânico (há 16 anos foi a Escócia) e Portugal ter sido a última selecção a apurar-se para a prova, desta vez, quem olhasse para a ficha de jogo portuguesa, não se espantava por ver uma equipa na elite do râguebi composta por veterinários, publicitários, empresários, informáticos, entre muitas outras profissões.

Desta vez, em Nice, marcar presença não chegava para Portugal. O vice-capitão José Lima disse-o na antevisão – “O País de Gales terá de ter cuidado. Se nos derem a oportunidade de ganhar, nós vamos ganhar” – e, dentro do campo, os “lobos” tiveram a ousadia de não se ficarem por meras palavras.

Com nove jogadores no “xv” que são profissionais e competem nos campeonatos franceses – acompanhados por jogadores com a qualidade de Appleton, Sousa Guedes ou Granate -, Portugal nunca mostrou subserviência e, sem medo do nome do adversário, fez o que muitos galeses nunca pensarem ver em Nice: assumiu o domínio territorial e deixOU os britânicos sem saberem como reagir.

A primeira oportunidade de pontuar foi portuguesa – a pontaria de Samuel Marques esteve menos afinada do que é habitual -, mas mesmo tendo sofrido um ensaio na primeira oportunidade dos galeses (Rees-Zammit, aos 9’), Portugal não perdeu a compostura e, ao intervalo, o 14-3 era demasiado penalizador para a forma como os “lobos” tinham combatido.

E nada mudou na segunda parte. Mesmo após começarem as substituições, o que muitas vezes resulta numa clara quebra de rendimento da equipa de Patrice Lagisquet, os portugueses mantiveram o equilíbrio – o jogo acabou com 51% do domínio territorial para os galeses – e, aos 63’, chegaram ao ensaio, num brilhante alinhamento finalizado por Nicolas Martins.

Sem nunca colocar Portugal encostado às cordas, Gales, que teve no “xv” jogadores do nível de Faletau, Anscombe ou Halfpenny, não encontrava argumentos para atingir o objectivo do bónus ofensivo, mas, na “bola de jogo”, com os “lobos” reduzidos a 14 (Vincent Pinto foi expulso nos últimos minutos), Faletau chegou ao quarto ensaio.

Uma semana depois de a Irlanda, rival dos galeses no Seis Nações, atropelar a Roménia, crónica adversária dos portugueses na Rugby Europe, por 82-8, e quase 30 anos depois de no primeiro confronto entre as duas selecções o País de Gales castigar em Lisboa a equipa nacional por 102-11, o segundo duelo entre os dois países mostrou que os tempos são outros. Portugal já trata a elite do râguebi por “tu”.

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