Cavaco aconselha primeiros-ministros a não responder em público aos Presidentes
Em vez de responder publicamente às críticas presidenciais, o primeiro-ministro deve “manifestar o seu desacordo” numa reunião com o Presidente ou “através de um telefonema”, defende Cavaco Silva.
Cavaco Silva aconselha os primeiros-ministros a não comentarem publicamente críticas presidenciais, mesmo que "injustas ou erradas", e a preocuparem-se em evitar que o Presidente impeça o Governo de executar as suas políticas.
No livro O Primeiro-Ministro e a Arte de Governar, o antigo chefe de Governo do PSD (1985-1995) e ex-Presidente (2006-2016), alerta que ninguém beneficia de um clima de conflitualidade entre o Governo e a Presidência, como aconteceu no passado entre ele próprio e o Presidente Mário Soares (1986-1996) e mais recentemente entre António Costa (PS) e Marcelo Rebelo de Sousa.
A não ser que o Presidente cometa "muitos erros" e/ou se "extravasar claramente as suas competências e que tal seja percebido pela opinião pública", admite Cavaco no capítulo dedicado ao relacionamento entre o primeiro-ministro e Presidente da República no sistema político português.
Sem nunca se referir a casos ou pessoas, e num estilo de ensaio político, Cavaco Silva faz, no livro, "reflexões sobre o que deve ser o comportamento do primeiro-ministro" para que o seu Governo "tenha sucesso", como descreve o próprio no prefácio do livro, que é apresentado em Lisboa esta sexta-feira por Durão Barroso, ex-ministro de Cavaco e antigo primeiro-ministro de um governo PSD/CDS.
O mais importante para o líder do executivo, afirma, é que "o Presidente adopte uma conduta marcada pela isenção e independência" relativamente aos partidos, "não interfira no combate político e não actue como força de contrapoder relativamente ao Governo, antes lhe garanta cooperação institucional".
Num sistema político em que o Presidente não tem os poderes executivos, e sem poder apresentar "alternativas ao programa" dos governos, o ex-líder do PSD aconselha um primeiro-ministro a "evitar responder em público" às críticas presidenciais, mesmo quando as "considere injustas ou erradas".
Deve, defendeu, "reservar-se para manifestar o seu desacordo" numa reunião semanal entre os dois ou "através de um telefonema pessoal, podendo então sublinhar o risco de o Presidente ser utilizado como "arma de arremesso" na luta entre partidos".
Outros conselhos de Cavaco Silva aos primeiros-ministros é que tenham uma "interpretação alargada do dever de informação" ao Presidente e que não coloquem "obstáculos aos pedidos" para se reunir individualmente com ministros", sendo, ainda, "exemplar na discrição do teor das conversas".
O professor de Finanças que mais tempo governou em democracia avisa que o primeiro-ministro deve usar as reuniões semanais, habitualmente à quinta-feira, para adoptar um estilo sério, sóbrio, rigoroso e pouco especulativo, evitando discutir intrigas político-partidárias ou fait divers", lê-se no livro O Primeiro-ministro e a Arte de Governar.
Ao longo da sua carreira, Cavaco Silva conheceu dois Presidentes: Ramalho Eanes, quando foi ministro das Finanças de Sá Carneiro (1980) e Mário Soares, líder histórico do PS. Como Presidente da República, entre 2006 e 2016, conheceu três primeiros-ministros: José Sócrates (PS), Pedro Passos Coelho (PSD) e António Costa (PS).
O livro, de 226 páginas, que inclui um ensaio original de Cavaco Silva sobre "a arte de governar", reúne artigos publicados sobre temas europeus, económicos e políticos, incluindo "Os políticos e a Lei de Gresham", segundo a qual "a má moeda expulsa a boa moeda", publicado em 2004, quando Pedro Santana Lopes (PSD) era primeiro-ministro.