O extravio de dados bancários de António Costa
Se se extraviou informação desta importância sobre alguém que é primeiro-ministro, o que não poderá suceder com a de um simples mortal?
A declaração de António Costa ao Tribunal Constitucional foi notícia no Correio da Manhã devido a um extravio de documentos, que impediu apurar se é ou não cotitular de conta bancária com sua mãe, com um saldo de 100 mil euros. Na origem do extravio está o processo de compra de um banco por outro e a transferência da conta para uma nova agência. Esclarecendo António Costa que: “Apesar de ter confirmado que em [rasurado] preenchi e subscrevi a documentação necessária para o efeito, o certo é que não figuro, nem há registo de ter figurado como cotitular. Em contacto com a anterior gestora de conta, não foi possível esclarecer plenamente a situação que se terá devido a extravio de documentação no processo de aquisição do [rasurado] e a transferência da conta para uma nova agência” (sic) (...)“Fui, porém, surpreendido com a informação de que nunca fui, nem sou, titular dessa conta, nem da que lhe sucedeu.” (sic)
Perante esta dúvida decidiu não ser cotitular da conta bancária, não exercendo direitos de que poderá ser titular, o que, estando no seu direito, deixa sem resposta o fundamental: foi ou não cotitular dessa conta bancária, que é o que releva para o controlo de riqueza que a declaração visa apurar.
Não pode excluir-se que um tal extravio de documentos bancários origine estupefação e alarme social nas pessoas, sobre a segurança dos seus haveres nos bancos, ou sobre o cumprimento pelos bancos dos deveres de prevenção do branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo (BC/FT). Como não pode excluir-se que suscite perplexidade aos colaboradores das instituições bancárias, a quem cabe cumprir os deveres de prevenção de BC/FT, corrupção e infracções conexas, em particular quando se trata de examinar clientes qualificados como Pessoa Politicamente Exposta, Membros Próximos da Família ou Pessoas Reconhecidas como Estritamente Associadas, como é o caso de António Costa e sua mãe.
O extravio de dados bancários que é atribuído à migração da conta de um banco para outro é de muito difícil compreensão. Os bancos dispõem de bases eletrónicas de retaguarda, e estão obrigados a cumprir a política "Conheça o Seu Cliente". Por esta razão, enquanto não estiver efetuada a identidade de todos os titulares de contas bancárias, da(s) pessoa(s) beneficiário(s) efetivo(s) e da sua comprovação, a conta bancária está proibida de operar, salvo exceção de âmbito muito restrito. Acresce que quando se trata de Pessoa Politicamente Exposta, como é o caso, um banco é obrigado a aplicar medidas reforçadas em complemento dos normais procedimentos de identificação e diligência, incluindo a intervenção de um elemento da direção de topo para aprovação, resultando assim informação mais detalhada. Exigindo a legislação e as autoridades deveres de acompanhamento em contínuo da vida da conta, punidos severamente se incumpridos.
Reforça a incompreensão ponderar o seguinte: o Banco de Portugal organiza e gere uma base de dados relativa a contas de depósito, de pagamentos, de crédito, de instrumentos financeiros e de cofres, denominada base de dados de contas, domiciliadas no território nacional em instituições de crédito, que é igualmente uma peça-chave da infraestrutura nacional de prevenção e repressão do BC/FT. Realço que a responsabilidade pela informação relativa às contas de depósitos, nesta base de dados do Banco de Portugal, é das entidades participantes que a reportam. Essa base inclui informação sobre a identificação dos respetivos titulares, beneficiários efetivos, e das pessoas autorizadas a movimentá-las, incluindo procuradores, mandatários ou outros representantes, data de abertura e de encerramento da conta.
Admitindo assim que falhou a base de dados do banco, incluindo a de retaguarda, o natural é recorrer-se à base do Banco de Portugal.
Perante tudo isto, muitos cidadãos pasmam: se se extraviou informação desta importância sobre alguém que é primeiro-ministro, o que não poderá suceder com a de um simples mortal? E o primeiro-ministro abre assim mão de ser cotitular de uma conta bancária com a mãe, com um saldo de 100 mil euros, só porque um banco extraviou documentos?
As situações aludidas materializam um dano reputacional severo na perceção do sistema bancário como intermediário de confiança, e não apenas na licença social dos bancos implicados, tanto quanto atinge a completude e exatidão da informação declarada ao Tribunal Constitucional por António Costa. Não será do interesse público e de todas as partes envolvidas prestar um esclarecimento mais detalhado, desde logo se existiu ou não recurso à base de dados do Banco de Portugal? E se não existiu, porquê? Se existiu, a informação consta, ou não, e nesta eventualidade porquê?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico