Plataforma criada por Andrew Tate terá levado à exploração de dezenas de mulheres

O influencer britânico fundou uma plataforma no Telegram, a War Room, onde homens ao seu serviço ensinam outros a explorar sexualmente as mulheres. Seduzem-nas e põem-nas a trabalhar.

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Tate foi detido pela primeira vez em Dezembro de 2022 REUTERS/INQUAM PHOTOS/ALEXANDRU BUSCA/ARQUIVO
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Andrew Tate e a sua organização criminosa terão sido responsáveis pela exploração sexual de cerca de 45 mulheres, entre Março de 2019 e Abril de 2020, avança a BBC, que teve acesso aos registos do grupo War Room. Trata-se de um chat criado para ensinar técnicas de exploração a outros homens, com objectivo de colocarem mulheres ao seu serviço. O número de vítimas poderá ser ainda maior.

Em Junho, os irmãos britânicos, Andrew e Tristan Tate, e duas sócias romenas foram formalmente acusados em tribunal por tráfico humano, violação e de formar uma organização criminal para explorar sexualmente mulheres. Em resposta, Tate, que ficou célebre por partilhar as suas opiniões misóginas na Internet, defendeu-se dizendo que “não era o primeiro homem influente a ser acusado injustamente”. No início deste mês, foram libertados da prisão domiciliária e aguardam julgamento em casa, na Roménia.

Andrew Tate, de 36 anos, é acusado de violação e tráfico humano. As últimas provas, obtidas pela BBC, na investigação para um documentário sobre o influencer, mostram 12 mil páginas de mensagens na rede social Telegram enviadas por centenas de homens da War Room. Para pertencer ao grupo, disse em tempos o britânico, é preciso pagar oito mil dólares anuais (7356 euros).

A promessa feita aos membros é aprender com Tate como ser um homem poderoso. “A War Room promove a autodisciplina, motivação e confiança, enquanto dá aos membros acesso a milhares de profissionais de todo o mundo que encorajam a responsabilização pessoal, enfatizando a importância de se comprometer com as suas escolhas e acções”, prometia a plataforma, em comunicado.

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Andrew Tate e o irmão Tristan ROBERT GHEMENT/LUSA/ARQUIVO

Contudo, a realidade será bem diferente. As conversas de chat mostram que a War Room era o meio utilizado para leccionar o curso chamado “PhD”, que não significa “Philosophy Doctor”, alguém que tem um doutoramento (seja em que área for), mas sim “Pimpin Hoes Degree”, um curso para prostitutas, em português. O objectivo era preparar as mulheres para o trabalho sexual. Em Agosto de 2022, existiam 434 membros, espalhados pelo mundo.

Para as "aulas", Tate recrutava os “generais”, que mostravam como seduzir, manipular emocionalmente e isolar socialmente as mulheres, antes de as enganar e as pôr a trabalhar em pornografia online. Depois, ficavam com a maioria do dinheiro obtido através da internet. “Começam uma série de passos graduais para lhes retirar toda a estrutura de suporte da sua vida”, explicava “Iggy Semmelweiss”, o nome fictício de um dos principais “generais”.

Método de Pavlov

Quando as mulheres infringissem as regras, acrescentava, era preciso usar a violência. Um dos outros generais, "Joe Lampton", descreve como reagiu às queixas de uma das mulheres ao seu serviço: “Peguei no teclado dela e bati-lhe com ele na cabeça. Ela foi para o quarto e trabalhou durante sete horas sem qualquer intervalo.” Outros homens partilham também fotografias de ferimentos infringidos como castigo.

Os membros da War Room acreditavam estar a aplicar o método de Pavlov às vítimas — “é assim que se treinam os cães”. Os castigos aplicados eram uma forma de se associar a dor a acções supostamente erradas. Entre os testes de submissão, incluía-se a ordem de que tatuassem o nome dos homens no seu corpo.

Duas das mulheres que terão sido exploradas pela rede da War Room apresentam relatos semelhantes, apesar de serem oriundas de países diferentes. Ambas acreditavam estar numa relação com os homens, antes de estes começarem a manipulá-las para fazer pornografia na Internet. “Usava o sexo para me manipular”, conta Maria, nome fictício.

Já Amanda, que vive nos Estados Unidos, diz que 80% do dinheiro que arrecadou com a pornografia ficou para dois membros da War Room. Terão sido cerca de 95 mil dólares (mais de 87 mil euros).

Este era o mesmo método que utilizavam Andrew e Tristan Tate. Espera-se que o veredicto do processo judicial ainda demore vários anos e os dois irmãos continuarão a aguardar o julgamento em liberdade. O britânico tornou-se conhecido através da Internet pelos comentários misóginos e por defender, entre outros argumentos, que as mulheres são para “ter filhos, estar caladas e fazer café”.

Além da War Room, o britânico chegou a promover um curso online de coaching para ensinar aos seguidores como devem ser “as interacções entre homem e mulher”. No vídeo de apresentação dizia que a função do homem é “conhecer uma rapariga, levá-la a alguns encontros, dormir com ela, fazer com que ela se apaixone ao ponto de fazer tudo o que o homem diz, e depois conseguir que se filme para ficarem ricos juntos”.

Tem-se queixado continuamente de que as suas afirmações são retiradas do contexto e, numa entrevista à BBC, defendeu só querer o bem para o mundo: “Estou a apregoar o trabalho duro, a disciplina. Sou um atleta, defendo as políticas antidroga, a religião, a abstinência de álcool e a ausência de armas. Sou contra todos os problemas da sociedade moderna.”

Apesar de já ter sido banido das redes sociais por diversas vezes, a página de Andrew Tate no Twitter continua activa. A Meta disse que tinha removido as suas contas oficiais no Facebook e Instagram, apontando para políticas contra organizações e indivíduos perigosos. No TikTok também já não tem conta, apesar de continuarem a circular vídeos da sua autoria.

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