Postais de Viena I: Sinais vermelhos

“Em Portugal, vejo os polícias a fumarem e a mexerem no telemóvel enquanto estão de serviço, mas aqui ainda não vi nenhum a fazer isso. É uma imposição?”

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João da Silva
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– O que quer que precise de mim pode esperar que o sinal fique verde. Não volte a atravessar a estrada com o vermelho para peões, por favor – advertiu-me Félix, o polícia que patrulhava as traseiras do parlamento austríaco.

– Desculpe, tem razão, não o devia ter feito, mas não vinha carro algum. O trânsito aqui é muito tranquilo.

– De qualquer maneira, regras são regras.

– Peço novamente desculpa, ainda por cima o assunto que me traz até si não é de todo urgente. Posso tomar-lhe dois minutos para esclarecer uma curiosidade?

– Claro, diga.

– Porque é que há tantos polícias nas ruas de Viena? É um lugar perigoso?

– Pelo contrário, não é mesmo nada perigoso. Sentiu-se em perigo em alguma ocasião?

– Não, de todo.

– Talvez seja assim porque há muitos polícias na rua. Há quem goste que seja assim e há quem não goste. O que tem a dizer sobre isso?

– Tenho a dizer que de onde venho não é assim e que é difícil encontrar um polícia a não ser junto de locais onde decorrem obras. E tenho também a dizer que é notável como percebeu que eu passei com o sinal vermelho se na altura em que o fiz estava de costas para mim.

– Chama-se atenção e poder de observação. É um dos requisitos para fazer o meu trabalho bem feito.

– Quais são os outros? Assim por alto...

– Ser educado e simpático com quem nos aborda, por exemplo. E estar atento, como foi o caso há pouco quando atravessou a estrada com o vermelho para peões – gracejou, encolhendo os ombros, movendo continuamente a cabeça para observar o perímetro.

– Confesso que também o estive a observar durante algum tempo. Reparou?

– Sim, veio dali do jardim e atravessou a estrada fora da passadeira antes de tirar uma fotografia ao autocolante que está li naquele poste de iluminação – explicou, apontando para um poste a uns 30 metros.

– Impressionante. Bom, mas o facto de o ter observado, despertou-me outra curiosidade. Em Portugal, vejo os polícias a fumarem e a mexerem no telemóvel enquanto estão de serviço, mas aqui ainda não vi nenhum a fazer isso. É uma imposição?

– Podemos fumar e mexer no telemóvel uma vez por outra, mas não para jogar ou navegar nas redes sociais. No entanto, embora o possamos fazer, fumar e utilizar o telemóvel são condutas desaconselhadas para um polícia. Eu deixei de fumar há algum tempo, mas quando fumava, às vezes puxava de um cigarro. O nosso trabalho é muito stressante e isso permite-nos relaxar um pouco e até ficar mais atentos. Mas eu fumava de forma discreta – reconheceu Félix.

No breve tempo que conversávamos, o céu escureceu e começou a chuviscar.

– Obrigado pelas explicações, Félix. Continue atento.

– Continuarei. Boa estadia em Viena e atenção aos sinais vermelhos.

Fui apanhado por uma forte chuvada, acompanhada de estrondosa trovoada. A passadeira em frente ao hotel onde estava hospedado ficava ainda a uma boa centena de metros e pensei atalhar pelo meio da estrada deserta. Mas, já quase com o pé no asfalto, lembrei-me das dúzias de Félixes com que me havia cruzado durante a tarde e escolhi dirigi-me calmamente à passadeira. Estavam 34 graus. A chuveirada soube-me pela vida.

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