Artem Nych é contra a guerra, fugiu da Rússia e fez de Portugal a nova casa

A Glassdrive prestou-se a ser uma salvação para ciclistas russos que não poderiam competir e Nych foi o que aceitou viajar para Santa Maria da Feira. Pode ter, na Volta, a maior vitória da carreira.

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Artem Nych, ciclista russo da Glassdrive EPA/NUNO VEIGA
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Para a Rússia, com amor. Artem Nych, ciclista que lidera a Volta a Portugal, está a mostrar à sua nação o que poderia ganhar – na sociedade, em geral, e no desporto, em particular – com um cenário de paz.

É que, para os russos, este é mais um bom atleta a fugir-lhes, literal e metaforicamente, já que Nych não só fugiu do território russo, para escapar à guerra, como está a ganhar provas que poderiam destacar a bandeira russa, mas não destacam nada – corre sob bandeira neutra.

Trata-se de um imigrante de 28 anos que se diz frontalmente contra a guerra e que veio da Sibéria para encontrar em Portugal uma nova casa. E até pelo nível bastante razoável de domínio do português já está longe de ser apenas mais um estrangeiro que pedala pelas estradas nacionais durante duas semanas.

Vive em Santa Maria da Feira e diz que encontrou em Portugal uma nova família – a equipa Glassdrive. Mas só depois de uma aventura que o próprio explicou ao jornal O Jogo e que passou por viagens pela Bielorrússia, Cazaquistão, Turquia e, só então, um voo para o Porto.

Glassdrive tentou três

Tudo isto foi possível quando a União Ciclista Internacional (UCI) recusou a autorização para competir à equipa Gazprom-Rusvelo, à luz das sanções aplicadas às formações desportivas russas, e os ciclistas da equipa ficaram “a pé”.

A Glassdrive tentou contratar pelo menos três, sabendo que poderia aproveitar a situação da guerra na Ucrânia para receber ciclistas de bom nível, que corriam uma divisão acima – a Rusvelo era equipa da segunda divisão da UCI, a “Glass” é da terceira.

Foi isto que contou Petr Rikunov, ciclista da equipa chinesa Yunnan Lvshan, em entrevista ao site Athletistic. “Convidaram-me para ir para Portugal, para a equipa onde corre o Artem Nych, mas não chegámos a acordo sobre as condições – tenho família e há muitas dificuldades com os documentos. Nesse contexto, recusei. O Dimitry Strakhov também recusou, porque também tem família. Para o Artem foi mais fácil e foi para lá”.

Em tese, a Glassdrive conseguiu o melhor dos três russos. Artem Nych foi campeão nacional do país em 2021 e já foi domestique de Ilnur Zakarin, por exemplo, sob a direcção do histórico Dennis Menchov. Também foi colega de Alexandr Vlasov e chegou a ser dos ciclistas russos mais promissores, sobretudo no ano em que foi campeão russo sub-23, à frente de um tal de Pavel Sivakov, hoje um dos nomes mais proeminentes do pelotão internacional.

Mas a carreira de Nych não tem sido, ainda assim, do nível que se esperou. A permanência na Rusvelo limitou-lhe o acesso a várias provas de primeiro nível e pode ter na Volta a Portugal a maior vitória da carreira, tendo em conta que o nível da Volta está bem acima do dos campeonatos nacionais russos.

Favorito, por enquanto

Vindo da Sibéria, Nych tem sentido dificuldade essencialmente com a temperatura. "Para mim, o calor é muito difícil. Na Torre senti-me muito mal, porque estava muito calor e estávamos em altitude. Eu morava na Sibéria e na Sibéria está muito frio”, explicou após a etapa da Guarda, na qual conquistou a camisola amarela.

Apesar dessa dificuldade, o ciclista está a provar o que se esperava dele. Nych já era, antes da Volta, um dos quatro favoritos à conquista da prova – e “moram” na Glassdrive Mauricio Moreira, Frederico Figueiredo, Artem Nych e James Whelan, pelo que um top 5 com quatro ciclistas da mesma equipa não seria utópico.

Não seria... até passar a ser. A resposta dos corredores na estrada não foi a que se esperava e, neste momento, é uma quimera pensar que Moreira e Whelan possam terminar no top 5.

Pela resposta assim-assim de Figueiredo, Nych passou a ser o foco da equipa, ainda que o russo não tenha respondido de forma impressionante na subida à Torre – nada garante que, na Senhora da Graça, o ciclista não volte a falhar.

O certo é que, por agora, Nych é o principal favorito à conquista da Volta. E o que Nych pode fazer em Portugal é dar sentido a uma opção que, se pudesse, não teria tomado.

Vir para Portugal foi uma resposta à impossibilidade de correr por equipas russas, mas esse fatalismo talvez lhe dê, aos 28 anos, o triunfo mais relevante e um novo rumo na carreira.

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