Como está a Sogrape a contornar alterações climáticas na vinha, das castas resilientes às drenagens em encosta

Para trabalhar as vinhas e gerar valor no sector nos vinhos em contexto de crise climática, a Sogrape está a focar-se nas castas, na água, no solo e na gestão da biodiversidade.

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A Sogrape levou a casta Tinto Cão do Douro para o Alentejo, onde está a terminar uma plantação "ensaio" de 42 hectares de vinha José Sérgio
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Como trabalha a Sogrape as suas vinhas de forma a mitigar os efeitos da crise climática e, em simultâneo, gerar valor? A empresa, o único representante do sector vitivinícola e do agro-alimentar no grande projecto da Organização Meteorológica Mundial para encontrar aplicações de valor acrescentado para as previsões near-term em viticultura, há muito que trabalha estas questões.

Em conversa com o PÚBLICO, o seu director de investigação e desenvolvimento dá conta dos últimos ensaios da Sogrape em Portugal, nomeadamente no Douro e no Alentejo — a empresa está presente em mais quatro regiões; lá fora está noutros quatro países produtores. O foco deve ser colocado nas castas, na água, no solo e na gestão da biodiversidade, enuncia António Graça. Vamos por partes.

Há décadas a trabalhar na "conservação da diversidade genética das castas nativas, as que representam a qualidade e a identidade dos vinhos portugueses", a empresa, co-fundadora da PORVID (Associação Portuguesa para a Diversidade da Videira), continua a estudar as variedades autóctones e, em função do que já sabe sobre elas e do que espera do clima nos próximos anos, está a ensaiar diferentes coisas. Que nunca passam por desistir de uma ou de outra casta, mas antes por tratar diferente o que é diferente.

A vinha de 42 hectares que a Sogrape plantou em 2020 na Herdade do Peso, na Vidigueira, e onde está a ensaiar castas vindas de outros terroirs Sandra Ribeiro / Tiago Fernandez
2 / 2 Na vinha nova da Herdade do Peso, com 42 hectares, a Sogrape está a ensaiar Tinto Cão e Touriga Francesa, do Douro, e variedade internacional Grenache Sandra Ribeiro / Tiago Fernandez
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A vinha de 42 hectares que a Sogrape plantou em 2020 na Herdade do Peso, na Vidigueira, e onde está a ensaiar castas vindas de outros terroirs Sandra Ribeiro / Tiago Fernandez

Na Herdade do Peso, no Alentejo, partilha o responsável, a Sogrape está a terminar um investimento (que "não foi financiado na vertente de investigação") de mais 42 hectares de vinha, plantados em 2020 e onde a empresa está "a testar castas que até aqui não usava". "Por exemplo, levamos algumas castas do Douro para o Alentejo, como o Tinto Cão e a Touriga Francesa, mas também Grand Noir, que é uma casta que tem uma boa resistência à secura."

Mais: "O desenho desses talhões já não é geométrico. Isso foi também uma adaptação possibilitada pelos estudos e mapeamento de solos que realizámos." O objectivo é "obter a maior homogeneidade possível (total seria inexequível) em cada talhão", com "vantagens operacionais" mas também ao nível da sustentabilidade, permitindo "trabalhar e gerir os solos e a biodiversidade de forma mais coerente com o que existe no terreno" e fazer um "uso racional e optimizado da água necessária".

No final do ano passado, numa entrevista ao Terroir (a secção de vinhos do PÚBLICO), António Graça falava de uma outra plantação na propriedade da Vidigueira: oito hectares em gobelet, ou seja, em vaso, que era como os antigos plantavam, por se tratar de um sistema de condução "muito mais adequado a uma situação árida".

A empresa também já faz "plantações utilizando material policlonal", que sendo algo legal (e desejável) não está plasmado na legislação comunitária, o que impede o apoio a empresas que queiram plantar vinhas novas desta forma. Isso está prestes a mudar, felizmente, depois de a Comissão Europeia ter adoptado uma proposta que, pela primeira vez, menciona o "material policlonal". E para todo o tipo de culturas, não apenas para a vinha.

"Fazer plantações da mesma casta mas com clones misturados aumenta a estabilidade de comportamento da vinha. Estamos a aumentar a capacidade da videira de amortecer variações [climáticas]", explica Graça.

Gerir água e solo

"A questão da água é primordial", a vários níveis, continua o enólogo de formação. Nas vinhas que a Sogrape tem irrigadas (40%), essa irrigação é decidida em função do estado hídrico das videiras e não da evapotranspiração, numa gestão optimizada que permite usar "muito menos água, para o mesmo efeito".

"E o efeito que queremos ter não é enriquecer a uva em água, é garantir que o metabolismo da videira funciona adequadamente, mas se mantém num certo nível de stress para aumentar metabolitos secundários que dão qualidade às uvas." As medições são feitas "uma vez por semana" em diferentes locais de amostragem.

"Normalmente, fazíamos isso a partir da floração, mas estamos a evoluir para uma monitorização do balanço hídrico do solo. Cada solo tem uma capacidade de retenção de água diferente. Nas nossas quintas com irrigação, mapeámos essa capacidade de retenção de água. E o que fazemos é monitorizar a quantidade de chuva que cai e a evapotranspiração face à capacidade de retenção de água. Quando o saldo começa a ficar próximo de zero, começamos a fazer as medições na planta."

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Na Quinta do Seixo, no Douro, os caudais são conduzidos num sistema de drenagem construído ao longo dos terraços e não transversalmente, por forma a escoar a água sem arrastar solo. Fonte: Sograpre

E para além das castas e da água? "Solo, e sobretudo erosão." A Sogrape tem 600 hectares de vinha em viticultura de montanha (Douro, Bucelas e Portalegre) e, para evitar perder vinhas para a erosão, desenvolveu, com a Universidade do Porto, "uma nova metodologia de análise e interpretação do fluxo de água na superfície e abaixo da superfície na encosta", num mapeamento com "cinco centímetros de resolução". O objectivo do projecto Desvio é conseguir "desenhar sistemas de drenagem para escoar a água sem arrastar solo". Isso já foi feito, por exemplo, na Quinta do Seixo, em Tabuaço.

Para determinado débito de água, é calculado o caudal que corre em cada ponto da encosta e construído um sistema de drenagem "ao longo dos terraços e não transversalmente". Isso permite salvaguardar a integridade da encosta em caso de um evento extremo de precipitação como o que aconteceu a 28 de Maio deste ano no Seixo, em que choveram "30 milímetros de água em 30 minutos". "Note bem [ver imagem] como tudo é conduzido para a drenagem principal, onde se podem atingir 12 milhões de litros por hora com uma precipitação como a que ocorreu naquele dia. Também é muito interessante a forma como o olival reduz significativamente o fluxo de água, evitando a perda de solo."

O projecto "foi totalmente financiado com fundos próprios" da empresa, nota António Graça, que, questionado sobre o valor destes investimentos, preferiu "indicar que em 2022 a Sogrape investiu um total de 1,55 milhões de euros em actividades de investigação e desenvolvimento".

Por fim, a gestão da biodiversidade, intrinsecamente ligada ao solo está também no centro do trabalho feito na Sogrape, com cobertos vegetais pensados e criados para manter a humidade no solo mas também o estudo de bioprodutos que possam "incentivar a videira a gerar capacidade de resistência à secura". "Chamamos-lhes elicitadores de resistência."

Para além da prevenção da erosão do solo, um caminho de futuro será a medição da temperatura do solo, já que dela depende "o funcionamento das raízes da videira e o funcionamento da microbiodiversidade existente no solo à volta das raízes".

Este artigo foi corrigido a 28/08/2023: no Alentejo, a Sogrape está a ensaiar a casta Grand Noir e não a Grenache.

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