Ela perdeu o emprego no Capitólio. Agora, quer pôr toda a gente a chorar em público

Kiara está a usar o TikTok para acabar com o estigma à volta do choro em público: “Todos devíamos fazê-lo. Devia ser tão normal como alguém espirrar.”

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Kiara McGowan Washington Post/Marvin Joseph
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Num dia nublado de final de Outubro, Kiara McGowan desfez-se em lágrimas enquanto saía do Capitólio dos Estados Unidos com um monte de pertences nos braços — uma bolsa, três casacos e um teclado wireless.

Um colega ofereceu-lhe uma caixa para carregar as coisas, mas McGowan recusou, com medo que isso fosse revelar o que tinha acontecido: perdeu o trabalho de sonho como directora criativa num gabinete do Senado.

Felizmente, o Congresso estava em pausa, e as ruas estavam quase vazias enquanto McGowan, profissionalmente conhecida como Kiara M.P., fazia o seu caminho habitual para casa. No caminho, parou no Supremo Tribunal, a andar para a frente e para trás, enquanto soluçava ao telefone com uma amiga. A escultura de mármore, que sempre inspirou a sua admiração nas caminhadas diárias para o trabalho, parecia agora uma onda gigante de emoções que rebentavam sobre ela.

“Tudo o que pensava era, ‘Como vou conseguir pagar a renda?’”, refere McGowan, que saiu da sua cidade, Richmond, em Março de 2022, para trabalhar no Capitólio.

Esse foi o primeiro de muitos choros compulsivos que McGowan, de 31 anos, viveu junto de paisagens e estabelecimentos em Washington D.C.: chorou no cais de Navy Yard, a ver o rio Anacostia através de uns óculos de sol escuros. Chorou na Alamo Drafthouse em Edgewood, a preparar-se para acabar com o namorado. Chorou nas escadas do hotel Adams Morgan depois de se ter esquecido da chave dentro do apartamento. E chorou com uma bowl de pho num restaurante de noodles na 14th Street, assoberbada pelas incertezas da vida.

Mas apesar das circunstâncias — tinha uma pilha de contas e não tinha a certeza onde poderia viver — cada choro era um momento de viragem, libertando-a de sentimentos complicados que costumava abafar. Quanto mais chorava, diz, mais confortável se sentia a fazê-lo.

“É um alívio enorme”, diz McGowan. “Sinto-me sempre bem depois de chorar.”

Principalmente em D.C., acrescenta, onde há uma vasta mistura de orlas, espaços verdes e rooftops com vistas para a cidade, paisagens que lhe oferecem as ferramentas perfeitas para meditar, escrever e reflectir enquanto as lágrimas escorrem.

Esta catarse, bem como o apoio de uma amiga, inspiraram McGowan a lançar a página @cryingindc. Com vídeos narrados de forma honesta, McGowan visita atracções da cidade e descreve como é chorar lá — incluindo uma “walk ’n’ cry” no Mount Vernon (“Estava silencioso e pude chorar tudo”) e um trilho paisagístico no Rock Creek Park (“Chorei tanto que quase vomitei”, escreveu). E está a ganhar tracção. Desde a sua primeira publicação, no início de Junho, a conta já atingiu os 1200 seguidores.

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“Gosto do facto de ainda estar na fase inicial, porque tudo é possível. A única coisa que tenho de fazer é ser consistente”, diz. “Tem sido mesmo fixe ver imensas pessoas a relacionarem-se.”

Os comentários nas publicações mostram como os vídeos de McGowan encorajaram seguidores a abrir as comportas. “O meu primeiro choro no autocarro, quando quer que aconteça, é dedicado a ti”, escreveu um utilizador.

“Chorei imenso hoje no caminho para casa do trabalho e pensei em ti e nesta conta”, comentou outro. “Senti-me muito menos envergonhado, obrigado.”

Chorar é, desde sempre, percepcionado como um sinal de fraqueza emocional. E quando feito em público, pode desencadear perguntas e julgamentos de estranhos. McGowan sentiu isto quando chorava num autocarro, há algumas semanas. As suas lágrimas enfureceram outro passageiro, que lhe gritou que se sentasse noutro sítio. Alarmada, McGowan mudou de lugar. Mais tarde, num dos poucos vídeos em que sugere onde não chorar, contou esta experiência aos seguidores e, rapidamente, a publicação tornou-se viral. Com mais de 100 mil visualizações, este é agora o seu vídeo mais assistido, dando ênfase ao estigma relativamente ao choro.

Ainda assim, McGowan diz que poucas pessoas a abordaram durante um momento de choro, e refere que prefere que assim seja. “Acho que as pessoas estão demasiado mergulhadas nas suas próprias coisas. Então fica de certa forma escondido, ainda que à vista de todos.”

Ou talvez as pessoas prefiram ignorar para evitar desconforto — ainda que não faltem provas dos benefícios de chorar.

De acordo com investigadores, chorar pode ajudar a libertar stress e a activar químicos que nos fazem sentir bem e ajudam a aliviar a dor física e emocional. No Japão, há crentes convictos desta prática, havendo até, em várias cidades, “clubes de choro”, chamados rui-katsu, que pode ser traduzido para algo como “em busca de lágrimas”, reporta o WebMD.

McGowan vê a sua conta de TikTok como apenas uma das muitas que tentam normalizar o choro em público. Tal como McGowan, também o Curbed fez uma lista dos melhores sítios para chorar em diversas cidades dos EUA, incluindo em Austin, Chicago e Nova Iorque. E, nos últimos anos, num cenário de pandemia, começaram a surgir online selfies de pessoas a chorar. Influencers e celebridades — incluindo Lizzo e Bella Hadid — começaram a publicar imagens com os olhos vidrados, numa altura em que também os seguidores mostraram interesse em conteúdos mais autênticos e que demonstrassem vulnerabilidade.

“Sinto que devíamos fazê-lo mais vezes. Devia ser tão normal como alguém espirrar”, diz. “Está tudo bem em chorar. Está tudo bem em sentir essas emoções e digo isso enquanto pessoa que nunca o pôde fazer.”

McGowan refere que sempre foi acusada de ser uma rapariga dramática quando era criança, e sentiu que precisava de reprimir os seus sentimentos — especialmente enquanto menina negra. “Agora estou a dar-me permissão para expressar as minhas emoções”, diz. “Para honrar a minha criança interior.”

Em alguns dias, ainda tem dificuldade em aceitar como a sua vida mudou desde que ficou sem trabalho. Colocou as suas aspirações políticas de lado e começou a trabalhar num restaurante para conseguir sobreviver.

Agora, durante os seus percursos de autocarro diários, ouve meditações guiadas, observa as “personagens coloridas” que vivem nas franjas da sociedade e pergunta-se se irá tornar-se numa delas. “Todos tinham uma história antes de chegarem ali. Estamos todos a um salário de distância deles.”

Esta percepção ajudou-a a mudar a perspectiva da sua própria situação. “Sou sortuda o suficiente de ter amigos que me deixariam ficar no sofá deles… e estou a trabalhar num restaurante que nunca me deixou passar fome”, diz. “Então estou a praticar a gratidão. Sinto que as coisas se estão a alinhar, então tento apenas levar as coisas um dia de cada vez.”

Esta é uma perspectiva que quer partilhar com os seus seguidores, também. Há algumas semanas, quando chegou ao trabalho, viu uma mulher a chorar à porta do restaurante. “Senti que podia entender o que estava a passar.” Ainda que não tenha dito nada quando passou por ela, McGowan diz pensar bastante nesta mulher. Até considerou fazer um vídeo para tentar chegar a ela — e talvez ainda o faça.

Se o fizer, McGowan vai simplesmente dizer: “Entendo-te. Todos estamos a passar por alguma coisa.”

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