UNESCO defende limitação de telemóveis nas escolas
Proteger crianças de episódios de bullying e impedir perturbações nas salas de aula são as razões apontadas para esta limitação. Ideia é debatida em Portugal, mas ministério não tem directrizes.
A utilização de smartphones nas escolas deve ser exclusivamente limitada às actividades curriculares, mas, nos casos em que se perceba que esta integração não beneficie a aprendizagem ou perturbe o funcionamento das aulas, deve mesmo ser proibida. As conclusões são retiradas do relatório anual da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) sobre a tecnologia na educação, que, entre vários pontos, aborda a utilização destes dispositivos em contexto escolar.
A UNESCO reconhece que o uso de telemóveis, computadores e outros dispositivos pode ter benefícios de aprendizagem, mas a agência internacional alerta para a necessidade de pesar muito bem estas potenciais vantagens contra os seus muitos conhecidos riscos. O cyberbullying é a consequência negativa mais imediata: um estudo que reúne dados de 32 países mostra que, em média, pelo menos 20% dos estudantes do oitavo ano foi vítima de bullying digital.
A exposição a ecrãs por longos períodos de tempo implica consequências do foro físico e mental. O relatório diz que crianças entre os dois e os 17 anos mostram menor bem-estar físico nos casos de exposição prolongada a dispositivos electrónicos. Nos Estados Unidos, os jovens entre os 11 e os 14 anos passam, em média, nove horas por dia a olhar para ecrãs, número de horas que subiu durante a pandemia.
A existência de linhas claras para a utilização – ou proibição – destes dispositivos é uma das necessidades apontadas pela agência internacional, algo que servirá para a própria defesa dos mais novos. “Os estudantes não podem ser castigados se não há clareza ou transparência quanto ao comportamento desejado. As decisões nestas áreas precisam de diálogo suportado por prova sólida e envolver todos os que têm um papel na aprendizagem”, pode ler-se no relatório.
Diferentes países adoptam diferentes políticas para lidar com este tema. Portugal é um dos países citados como tendo um regime “misto”: algumas escolas proíbem o telemóvel em contexto escolar, outras são mais permissivas. Mundialmente, menos de um quarto dos países tem qualquer lei ou regulamento sobre a utilização de telemóveis nas escolas.
Ainda no ponto da tecnologia, a necessidade de salvaguardar a privacidades das crianças deve ser outra das prioridades. O ensino à distância durante a pandemia obrigou os estudantes a instalarem várias aplicações necessárias para as aulas digitais. Sabe-se agora que 89% destas, aponta o relatório, tinham a capacidade de recolher dados sobre as crianças fora do contexto escolar. Apenas 16% dos países garantem por lei o direito à privacidade de dados em contexto educacional.
Petição em Portugal
A discussão sobre a utilização ou não de telemóveis nas escolas faz-se também em território nacional. Recentemente, o PÚBLICO noticiou a criação de uma petição pública que defende a limitação destes dispositivos no recreio. Até ao momento, foram recolhidas quase 19.000 assinaturas. O pedido de esclarecimento enviado para o Ministério da Educação ficou sem resposta. Esta quarta-feira, o PÚBLICO voltou a pedir esclarecimentos à tutela, com o Ministério da Educação a relembrar que a utilização de equipamentos móveis é “determinada pelo regulamento interno de cada escola”. Na única menção a estes equipamentos no estatuto do aluno, uma das alíneas refere que os jovens não devem usar estes equipamentos fora do contexto de actividades curriculares. Este regulamento, contudo, serve apenas como uma recomendação, visto que as decisões dependem totalmente das normas e regulamentos do estabelecimento de ensino.
Tal como o relatório menciona, foi possível perceber a diferença de tratamento dada pelas escolas no respectivo regulamento. O líder isolado nestas proibições em Portugal é o Colégio Moderno, instituição privada no Campo Grande, em Lisboa, que proibiu a utilização destes dispositivos ainda em 2008. Volvida década e meia, a decisão adoptada antes do boom de Facebook, Instagram e Tik Tok é elogiada pelos pais dos alunos e não irá sofrer qualquer alteração num futuro próximo.
“Achámos que, por uma questão de saúde mental, era melhor eles não estarem com os telemóveis”, detalhou Isabel Soares, directora da instituição, em declarações ao PÚBLICO. “Nunca tivemos qualquer espécie de desagrado por parte dos pais. Sabem que é a regra, assinam o regulamento interno quando inscrevem os seus filhos. Existiu apoio generalizado [ao adoptar a medida]”.
As potencialidades para a aprendizagem são o factor mais citado para os defensores das tecnologias em contexto de sala de aula. Até porque, apontam, os problemas de exposição a ecrãs e uso excessivo do telemóvel extravasam o contexto escolar, pedindo medidas concretas aos encarregados de educação em contexto familiar.