Rússia escolhe portos de Odessa e Mikolaiv como alvos de um “ataque retaliatório maciço”
Zelensky diz que corredor de exportação de cereais pode funcionar mesmo sem a Rússia, que na próxima semana recebe uma comitiva de políticos e empresários africanos.
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Depois dos ataques de segunda-feira à ponte Kerch, que danificaram uma via de comunicação de crucial importância para o seu esforço de guerra, a Rússia não perdeu tempo e lançou durante a madrugada “um ataque retaliatório maciço” contra infra-estruturas portuárias ucranianas. As palavras são do Ministério russo da Defesa, que diz ter alvejado “instalações em que se estavam a preparar actos terroristas contra a Federação Russa com recurso a drones navais”. O comunicado de Moscovo assegura ter sido atingido um estaleiro naval e depósitos de combustível perto de Odessa e Mikolaiv.
Como habitualmente, as autoridades ucranianas têm outra versão. Confirmam o lançamento de seis mísseis “a partir do mar Negro sobre Odessa”, mas asseguram que foram destruídos pelas defesas antiaéreas antes de atingirem os alvos e os seus destroços “danificaram infra-estruturas portuárias e várias habitações privadas”. Além disso, segundo o governador regional de Mikolaiv, Vitali Kim, foram detectados 25 drones suicidas iranianos naquelas duas regiões mais a sul.
O Kremlin garantiu que Vladimir Putin não tomou a decisão de abandonar o acordo para a exportação de cereais ucranianos devido ao ataque à ponte Kerch, mas não deixou de fazer uma relação entre ambos os acontecimentos. Dmitri Peskov, o porta-voz presidencial, acusou os ucranianos de usarem o corredor marítimo definido no acordo “para fins militares”. “Isso já não é segredo para ninguém, é um facto evidente”, garantiu.
Até segunda-feira, o último dia em que o acordo esteve em vigor, passaram centenas de navios pelo centro de coordenação de Istambul – onde todos os cargueiros foram inspeccionados por pessoal ucraniano, russo, turco e das Nações Unidas para garantir que não transportavam armas escondidas. O ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Serguei Lavrov, informou esta terça-feira o seu homólogo turco de que a saída da Rússia do entendimento “significa a retirada das garantias de segurança à navegação” no mar Negro e “a dissolução do centro de coordenação conjunta de Istambul”.
Moscovo sublinha “os riscos” para a exportação marítima de cereais a partir da Ucrânia sem “as garantias de segurança apropriadas”, mas Volodymyr Zelensky acredita que é possível continuar a usar aquela via. “A Iniciativa de Cereais do Mar Negro pode e deve continuar a funcionar – se é sem a Rússia, seja sem a Rússia”, disse o Presidente ucraniano na segunda-feira à noite. “África tem direito à estabilidade. A Ásia tem direito à estabilidade”, argumentou.
De olhos em África
O fim do acordo não passou ao lado de um encontro dos líderes dos bancos centrais dos países do G20 em Gandhinagar, na Índia. “Vivemos tempos complicados”, disse à AFP o presidente do banco central alemão, Joachim Nagel, referindo-se especificamente à retirada russa do entendimento e garantindo que a reunião serviria “para discutir a forma de ajudar os países vulneráveis”.
Mas nesses Estados há preocupações que vão muito além do que se passa na Ucrânia, alertou o presidente do Banco Mundial. “O que me tira o sono à noite é a desconfiança que divide silenciosamente o Norte e o Sul do planeta num momento em que precisamos de nos unir”, disse Ajay Banga. “A frustração dos países do Sul é compreensível. Em muitos aspectos, estão a pagar o preço da nossa prosperidade. E agora que deviam estar em plena ascensão, crêem que os recursos que lhes foram prometidos vão ser desviados para a reconstrução da Ucrânia”, acrescentou.
Vladimir Putin tem boas relações com vários líderes africanos e o seu porta-voz, Peskov, disse esta terça-feira que a Rússia está preparada para fornecer cereais gratuitamente a países de África. O assunto deverá ser um dos pontos da agenda da cimeira Rússia-África que decorre na próxima semana em São Petersburgo. Ministros da Argélia, Tanzânia, Ruanda, Zimbabué, Burundi, Uganda, África do Sul, Egipto, entre outros responsáveis políticos e empresariais, estarão presentes.
Entretanto, a Turquia dá passos diplomáticos junto de Lavrov e das Nações Unidas para reactivar o acordo, no que conta com o apoio da União Europeia. Os 27 poderão ainda ajudar a definir novas rotas terrestres para o escoamento de cereais e outros produtos agrícolas, embora essa via de exportação fique sempre aquém dos volumes que habitualmente se enviam por mar.