Rui Rio acusa Ministério Público de estar a “destruir a democracia”

Ex-líder social-democrata decidiu “falar a sério” sobre as buscas feitas ao PSD e à sua casa e avisa que “se os políticos não tiverem coragem de dizer basta, alguém vai dizer chega”.

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Residência de Rui Rio foi alvo de buscas na quarta-feira passada Nuno Ferreira Santos
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Rui Rio veio esta sexta-feira a público "falar a sério" sobre a investigação em curso ao período em que foi presidente do PSD, para garantir que o recurso a verbas parlamentares para pagar despesas salariais de funcionários partidários "é uma prática transversal a todos os partidos desde sempre", acusar o Ministério Público de estar a "destruir a democracia" e alertar que "se os políticos não tiverem coragem de dizer basta, vai chegar o momento em que alguém vai dizer chega”.​

Em entrevista ao Jornal da Noite da SIC, o ex-líder social-democrata deixou duas perguntas à Procuradoria-Geral da República. A primeira consiste em saber se, tratando-se de uma prática "transversal", porque é que "só o PSD" está a ser investigado. A segunda questão passa por perceber "porque é que dentro do PSD", a justiça decidiu investigar "só entre 2018 e 2021, que é exactamente o período" em que foi líder do partido.

Desde há muito crítico do funcionamento da justiça e defensor de uma ampla reforma ao sector, começou por lembrar que, na quarta-feira, quando falou aos jornalistas a partir da sua varanda, enquanto decorriam as buscas à sua residência e a sedes do partido, bem como às sedes do PSD no Porto e em Lisboa, Rio disse que brincou com a situação para "mostrar o ridículo", porém o "ridículo também é grave”, atirou.

A utilização cruzada de verbas parlamentares e partidárias "é uma prática usada por todos os partidos desde os anos 1980", garante. "É assim há quarenta e tal anos", acontece no PSD e nos outros partidos "desde há muito tempo", vincou. "O artigo 5.º da lei de financiamento dos partidos políticos diz quais são as verbas: uma porque [os partidos] concorreram a eleições e tiveram mais de 50 mil votos e a segunda porque tem um grupo parlamentar. E o grupo parlamentar é um órgão do partido”, sustentou.

O também antigo secretário-geral do PSD insiste que “estas verbas, umas e outras, são para utilização do partido, e quem trabalha no grupo parlamentar ou quem trabalha na sede, ou nos dois sítios, está a trabalhar para o partido”. "É tudo a mesma coisa”, vincou, considerando, ao contrário do que fizera o Presidente da República, que "não há zona cinzenta nenhuma”, até porque "ambas as verbas são despachadas pelo presidente da Assembleia da República".

Para frisar a tese de que é uma prática comum, sublinhou que a lei em causa "é feita pelos partidos", que "estão a violá-la e não a mudam". E para mostrar que esta é uma prática consuetudinária, notou que a sua ex-assessora, que recebia parte do salário pelo partido e a outra pela verba parlamentar, tinha a mesma lógica durante anos aplicada ao histórico assessor social-democrata Zeca Mendonça: “[Também] vão fazer buscas à casa do professor Cavaco Silva? Ou do actual Presidente da República, que era presidente do partido quando eu fiz” o mesmo?

Retomando o discurso de quando era presidente do PSD, Rui Rio insistiu na necessidade de prosseguir "reformas estruturais", a começar pela justiça", caso contrário "o país não vai ”. Pior, sem reformar a justiça é a democracia que está em causa: "Quando o Ministério Público, e muitas vezes a comunicação social, dá a entender que são todos uns corruptos, está a destruir a democracia. Actua de tal maneira que leva as pessoas, com o tempo, a pensarem isso.”

O social-democrata considera que o Ministério Público (MP) se "intromete politicamente e [que] isso é gravíssimo em termos de regime". Rio recusa que o MP diga aos partidos como "devem gerir o dinheiro que o Estado lhes põe à disposição”. “Isto não é país que se apresente em lado nenhum”, disse. Economista de formação, defendeu que "a obrigação dos partidos políticos é a de gerirem estas verbas [atribuídas pelo Estado] com rigor e seriedade".

"Não como o MP está a dizer. O MP também não sabe gerir as verbas”, acusou, remetendo para a notícia do PÚBLICO que dava conta de que a investigação acredita que o objectivo do cruzamento de verbas do partido e do grupo parlamentar seriam para reduzir o passivo do PSD. "Não é equilibrar a tesouraria do partido, não percebem nada” do que é passivo, disse.

Para Rui Rio, não há sequer qualquer necessidade de clarificar a lei para extinguir zonas de fronteira, o que é preciso é mesmo reformar a justiça, reforça, mas para isso acontecer é necessária vontade e coragem política. “Eu não fazia nada [sobre a lei do financiamento partidário]. A minha actuação era ao nível da reforma da justiça, do Ministério Público. Se o poder político tiver muito medo de fazer a reforma da justiça, o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os partidos, se não tiverem coragem de dizer basta, vai chegar o momento em que alguém vai dizer chega", disse.

"Há que ter coragem"

Esta foi a oportunidade para criticar o primeiro-ministro António Costa, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e os restantes partidos: "Bati à porta dos partidos, do Presidente da República e não consegui [reformar a justiça]. Há que ter a coragem”, apelou.

O antigo autarca portuense recorre à sua própria imagem de "seriedade" para tentar mostrar como é que a ideia de que os políticos são todos iguais se generaliza e de como isso é perigoso: "Já está muito consolidada a imagem de que os políticos são uns vigaristas. Eu tenho uma imagem de seriedade. [A justiça diz] 'deixa que se apanho este as pessoas vão dizer que, se ele é um gatuno, são todos uns gatunos'. Vejo a democracia a ser enterrada todos os dias.”

Reacção é de quem “não quer voltar a isto”

Nesta entrevista, assegurou não ter ambição de voltar à política activa, realçando a que forma como está a reagir a este caso “é de alguém que não quer voltar a isto”. “Isto é dizer a verdade e dar um contributo ao país”, frisou.

Questionado sobre se António Costa lhe ligou, ironizou dizendo que se o tentou fazer “deve ter atendido a Polícia Judiciária”, uma vez que lhe foi apreendido o telemóvel. Já sobre se o presidente do PSD, Luís Montenegro, que ainda não falou publicamente sobre o assunto, lhe telefonou, confidenciou: “Entretanto conseguimos falar.”

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