Margarida Salema: “Parlamentos deixaram de ter noção de que não estão ao serviço dos partidos”

Margarida Salema, antiga presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, critica a facilidade com que se misturam os financiamentos partidários com os dos grupos parlamentares.

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Margarida Salema foi presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos durante oito anos Miguel Manso
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Margarida Salema, que foi presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) de 2009 a 2017, e professora da Faculdade de Direito de Lisboa, considera que o processo que levou às buscas desta quarta-feira a casa do ex-líder do PSD Rui Rio, da sua ex-assessora Florbela Guedes e a outros locais motivadas por suspeitas de peculato, é um claro exemplo da confusão que continua a reinar entre financiamentos aos partidos políticos e aos grupos parlamentares.

“Os parlamentos deixaram de ter a noção de que não estão ao serviço dos partidos”, afirma a especialista em financiamentos políticos, sublinhando que a lógica da lei é separá-los de forma a que as subvenções dos grupos parlamentares sejam apenas aplicadas em serviços dedicados ao trabalho dos deputados e não possam servir para pagar trabalhos a prestar aos partidos.

As buscas ocorreram no âmbito de um processo aberto em 2018 por denúncias internas, estando em causa o facto de terem sido pagos ordenados a funcionários do PSD com recurso a verbas parlamentares. Em particular, o facto de Florbela Guedes, “trabalhadora da Santa Casa da Misericórdia do Porto [ter sido] nomeada para exercer as funções de assessora no grupo parlamentar do Partido Social- Democrata, com efeitos a partir do dia 1 de Abril de 2018”, quando na verdade exercia as funções de assessora de Rui Rio, então presidente do partido.

“Um partido não pode ter um assessor do presidente desse partido pago pelo grupo parlamentar”, afirma ao PÚBLICO Margarida Salema, que foi militante da fundação do PSD, lamentando estas situações.

Embora reconheça que “a fronteira é ténue”, Margarida Salema recorda que o Tribunal Constitucional (TC) tem “acórdãos e acórdãos a diferenciar actividade partidária de actividade parlamentar”, no sentido de que este último tem de estar “relacionado com o trabalho parlamentar dos deputados”.

Em termos legais, sublinha que “os dinheiros públicos têm de ser utilizados para os fins que a lei prevê e não podem ser para outros, ainda que muito próximos. Isso também é peculato”, sublinha.

Puzzle legal

Ao longo dos oito anos em que presidiu à ECFP, Margarida Salema assistiu a muitas mudanças na lei dos financiamentos políticos, mas estas foram uma constante nas últimas décadas. “Andamos nisto há 40 anos”, desabafa, fazendo um ‘raide’ pelas alterações legislativas que acompanhou mais de perto, em particular desde 2003, e da criação da ECFP, em 2005.

“Isto é um puzzle”, afirma, lembrando que, pelo meio, houve declarações de inconstitucionalidade e alterações de fundo que culminaram na última versão, a lei orgânica do TC de 2018, que tornou a ECFP uma entidade independente.

A lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais de 2003, alterada oito vezes em 20 anos, estabelece quais são as receitas partidárias e, dentro destas, as subvenções públicas, que são de três grandes categorias: eleitorais, partidárias e parlamentares.

Se as primeiras se esgotam exclusivamente nas campanhas eleitorais, já as restantes são as fontes anuais de financiamento público para os partidos e para os deputados, e decorrem dos resultados das eleições legislativas.

De acordo com o artigo 5.º, cada partido recebe uma quantia anual relativa a cada voto conquistado nas últimas eleições, para financiamento partidário, “equivalente à fracção 1/135 do valor do IAS, por cada voto obtido na mais recente eleição de deputados à Assembleia da República”, a que se retira uma fatia de 10%, um corte aprovado no tempo da troika que ainda não foi revertido.

Já aos grupos parlamentares, deputado único representante de um partido e deputado não inscrito é atribuída, anualmente, “uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a actividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento, correspondente a quatro vezes o IAS anual, mais metade do valor do mesmo, por deputado, a ser paga mensalmente”.

“É por isso que as eleições para a Assembleia da República são o pão para a boca dos partidos”, remata Margarida Salema.

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